A Origem

por
  • RENATO SILVEIRA em
  • 06 agosto 2010



  • Geralmente quando lemos um livro muito interessante, imaginamos que ele poderia virar um grande filme. Mas com “A Origem” foi a primeira vez que eu tive a reação inversa: eu queria ver a história na forma de um livro ou de uma revista em quadrinhos. Isto porque a trama é tão complexa – ou detalhada, como queiram – que talvez fosse bem mais proveitoso acompanhá-la num tipo de mídia que dá mais tempo para você raciocinar e assimilar uma ideia antes de outra ser apresentada. Ou então, que assinasse a direção do filme um cineasta que soubesse condensar mais o texto ao transformá-lo em imagens. E como existem muitos diálogos, a coisa fica ainda mais complicada para quem necessita acompanhar as rápidas legendas. Ver o filme dublado nesse caso se torna uma opção a ser considerada, pelo menos uma vez.

    O Chirstopher Nolan que dirige “A Origem” é menos o de “Batman Begins” e “O Cavaleiro das Trevas” e mais o de “O Grande Truque”, “Amnésia” e “Following” (seu longa de estreia, ainda inédito no Brasil). É o Nolan que gosta de fazer mágica, fascinado pelo poder de iludir a platéia. É como se, ao quebrar a linearidade narrativa, ele embaralhasse as cenas desses filmes tal qual as cartas de um baralho e pedisse ao espectador para escolher uma – justamente aquela que voltará a aparecer no final do truque somente para deixar a pessoa atônita com o ato.

    Até aí tudo bem: a origem (sem trocadilho) do cinema está muito ligada à mágica. Um filme é uma ilusão. O problema é que Nolan está mais para Mister M do que para Houdini, já que ele não resiste a dar um jeito de “explicar o truque” para o público, usando aquelas conhecidas sequências de flashback com voice-over que mostram como tudo aconteceu. Assim, Nolan difere de, por exemplo, David Lynch (que graças a “Estrada Perdida”, “Cidade dos Sonhos” e “Império dos Sonhos” é o cineasta que vem de imediato à mente quando se vê “A Origem” – e isso não é um spoiler). Ele nega ao público o prazer da dúvida, como se temesse deixar o espectador sair do cinema se sentindo um burro.

    Essa maneira um tanto quanto didática que Nolan encontra para encerrar seus filmes muito provavelmente se deve ao fato de eles serem direcionados a um público mais amplo. Pelo menos o cineasta sempre entrega uma tomada final marcante e de certa forma enigmática (até mesmo nos “Batman”) que sustenta o filme por mais algum tempo após a sessão. Esse já é um mérito em tanto por se tratar de um diretor de blockbusters, e talvez seja o maior feito de Nolan aqui, pois, se por um lado ele vem com um texto e ideias brilhantes, por outro falha ao colocá-las na tela.

    Ora, para um cineasta o primordial é criar imagens, não apenas filmar um texto, seja ele um roteiro original ou adaptado de outra fonte. Em “A Origem”, cuja trama envolve o universo onírico, os efeitos especiais (desejo de consumo de todo freqüentador de multiplex) têm seu lugar por excelência. Apesar das afetações da super câmera lenta, o trabalho feito em computação gráfica e também com efeitos mecânicos é eficiente e deslumbrante, apesar de as cenas bacanas estarem quase todas no trailer. Só que quando não se dedica a essas tomadas, Nolan passa a maior parte do tempo colocando a câmera no rosto dos atores para que eles nos expliquem o que diabo está se passando na nossa frente (ou como está muito bem colocado neste texto, via Jim Emerson, “é muito tutorial e pouco jogo”). Sintoma claro e manifesto do quanto o filme é mais palavra do que imagem. Problema de concepção ou de execução?

    No papel, “A Origem” parece funcionar muito bem. O conceito da invasão dos sonhos aplicado à trama policial é bem sacado e se alimenta bem da influência da ficção-científica – lembra “Matrix” em diversos pontos, até mesmo na forma como os dois filmes incorporam em suas mitologias fenômenos psíquicos que todos nós já vivenciamos. Troque o déjà vu pela sensação de queda enquanto dormimos. A própria análise do sonho como a ilusão quintessencial da mente é assunto para frutíferas discussões. Da mesma forma como em “O Grande Truque”, “Amnésia” e “Following”, o roteiro é cuidadosamente arquitetado (coincidência ou não, dois dos personagens principais são considerados “arquitetos”). Talvez até por ter elaborado em excesso a premissa é que Nolan encontrou dificuldades em se desprender do texto no set. Por isso eu penso que “A Origem” poderia ser um livro ou uma HQ melhor do que o filme que está aí. Não que Nolan seja um mau cineasta. Ele só precisa usar mais a imaginação para nos surpreender visualmente. A magia do cinema está nisso.

    A Origem (Inception, 2010, EUA/Reino Unido)
    direção: Christopher Nolan; roteiro: Christopher Nolan; fotografia: Wally Pfister; montagem: Lee Smith; música: Hans Zimmer; produção: Christopher Nolan, Emma Thomas; com: Leonardo DiCaprio, Joseph Gordon-Levitt, Ellen Page, Tom Hardy, Ken Watanabe, Dileep Rao, Cillian Murphy, Tom Berenger, Marion Cotillard, Pete Postlethwaite, Michael Caine, Lukas Haas; estúdio: Warner Bros. Pictures, Legendary Pictures, Syncopy; distribuição: Warner Bros. Pictures. 148 min

    25 comentários:

    Caio Cardoso disse...

    Ei Renato, cadê a paixão nessa critica rapaz ?! você parece imensamente frustrado com o novo filme do Nolan, o que eu vi hoje no cinema não justifica um texto tão contido como esse. Assumo que tive uma catarse ao final de Inception.


    O coração do longa é a relação dos personagens do Di Caprio/Cotillard, e do Cillian Murphy/Pai, essa trama é mais intrinsca com a história do que eu pensava.

    A trilha sonora foi usada com um pouco de exagero. Enquanto alguém em cena explicava algo importante, a musica de fundo acabou sendo uma distração.

    Ellen Page provou ser uma péssima atriz, e foi um baita inconveniente olhar pra insossa expressão dela em momentos emotivos do filme.

    Acho que as falhas apontadas por você não aconteceriam com tanta frequencia caso Inception não tivesse a pretensão de ser um blockbuster. Eu percebi elas, porém não fiquei incomodado.

    Com exceção na cena climáx, onde eles explicam um zilhão de vezes o que acontece na situação.


    Por fim, A Origem tem grandes chances de se tornar um clássico, o Nolan vai ganhar um Oscar, mas por mim eu dava o Nobel da Paz. Foi foda, demais mesmo, e é isso. = )




    P.S: Tom Berenger, quem diria... mais um pra lista de ressucitados pelo Chris Nolan. Pelo visto outros rostos conhecidos virão por aí, eu aposto em Tom Hulce.

    Alexandre Carlomagno disse...

    Assino embaixo, Renato. O filme é excessivamente literal. Me decepcionei, mas me diverti. Achei a história de Cobb e Mal espetacular. Se ficasse só neles o filme já seria infinitamente superior.

    Um forte abraço.

    Thiago Lucio disse...

    Não concordo com o comentário do Renato. Nolan é um excelente diretor de imagens e também contador de histórias. Você cita Lynch, mas ele é o Chacrinha dos cineastas, ele tá mais interessado em confundir do que explicar. O Nolan, ele faz com que o espectador se esbalde na experiência e ser auto-explicativo não é um demérito. Nolan não é demente como o Lynch. Ele é um mágico, um ilusionista inteligente que não subestima a inteligência da platéia. A minha linha de pensamento é totalmente a inversa a do Renato.

    Richarley Menescal disse...

    Não vejo demérito no fato do Nolan ser didático demais em Inception e suas outras obras. Aliás, vejo isso como a grande qualidade dele. Antes de qualquer coisa, se trata de um blockbuster de ação frenética e não de um filme de arte.

    Não é um filme cabeça, como muitos estão dizendo, mas sim, inteligente. Comparar com o Lynch não tem nada a ver, pois são propostas bem diferentes. Nolan prefere deixar tudo bem claro do que está ocorrendo na tela a fim de facilitar o entendimento da montagem frenética do filme.

    Se ele podia usar menos diálogos para isso? Talvez sim, mas também nunca me senti burro em ver todos os acessórios do bat-cinto explicados detalhadamente. Pelo contrário, é uma característica dele, como contador de histórias, que eu aprecio muito.

    Jos disse...

    Sem dúvidas um filme que crescerá com o tempo. Mas o excesso de informações a primeira vista torna o filme um pouco distante mesmo.

    Thiago Lucio disse...

    O que é muito perigoso é que as pessoas estão confundindo didatismo, auto-explicação com falta de inteligência. Ser inteligente não é fazer a demência narrativa de Lynch, que também adoro. "A Origem" não é tão complexo quanto parece, possui uma narrativa plenamente acessível, compreensível e será que ninguém é capaz de enxergar mérito nisso? O filme é totalmente alheio a masturbações mentais. É um filme intrigante e complexo, mas ao mesmo tempo simples e inteligente. E visualmente Nolan é um puta diretor de cena, ele consegue fazer elegantemente que o que se vê se torne magistral, ouso dizer até que muitas vezes a roupagem da cena é muito mais atraente do que o texto, o que vai totalmente contra a opinião do Renato. O elenco está impecável. Trata-se de um filme que beira a perfeição.

    Carlos Goettenauer disse...

    Discordo completamente. O filme não é tão didático assim. Não concordo com quem prega uma narrativa hermética como superior. É como pretender manter a arte fechada para um "clubinho" especializado.
    "A Origem", para fazer comparações como as do crítico, é infinitamente superior a "Cidade dos sonhos".

    RENATO SILVEIRA disse...

    Gente, eu não disse em nenhum momento que o filme é excessivamente didático. Aliás, se fosse, não teria TANTA gente confusa. Minha principal objeção é que para um filme tão ambicioso, o trabalho do Nolan enquanto DIRETOR é burocrático quando não há cenas com efeitos especiais. Comparem com um Spielberg, por exemplo. Sinceramente, apesar de concordar que o roteiro do filme é brilhante, eu não consigo me lembrar de uma ou duas cenas VISUALMENTE marcantes (não valem as de CGI, pois essas são feitas para deslumbrar mesmo).

    Eu acho que minha citação a David Lynch acabou sendo infeliz. Eu não estou defendendo que filme hermético é superior. Até porque não considero "Cidade" ou "Império dos Sonhos" herméticos. São difíceis, mas basta boa vontade para compreendê-los. O "Cidade dos Sonhos" então, numa segunda vez que você assiste já sabendo do que se trata, parece história de criança.

    []s.

    RENATO SILVEIRA disse...

    E Thiago, me explica como que o filme é simples e complexo ao mesmo tempo. Não estou sendo irônico, é sério mesmo, eu não entendi esse raciocínio.

    Nada contra as pessoas discordarem. Isso é até saudável. Aliás, a discussão estão num bom nível, vamos aproveitar antes que os trolls apareçam e o festival de ofensas comece só porque não achei o filme a coisa mais genial de todos os tempos.

    E eu gosto do filme. Fiz bastantes elogios ao longo do texto, mas é natural que quem gostou mais questione justamente as ressalvas feitas.

    Só voltando à coisa do "explicar demais", me desculpem, mas a dúvida me atrai muito mais. Eu citei Lynch por isso, pois é um diretor que propõe um desafio que muitas vezes nem precisa de solução para ser apreciado. Por que temos que ter respostas para tudo? E como eu disse no texto, o Nolan sempre termina seus filmes com uma tomada enigmática e marcante. É algo que gosto muito nele.

    Só para encerrar esse comentário, o primeiro "Matrix" faz um trabalho muito melhor sendo auto-explicativo, didático e tudo mais, trabalhando com conceitos parecidos com os de "Inception", e ainda conta com uma direção superior. Para que fique claro o que estou querendo dizer com direção: "Matrix" é um filme mais bonito visualmente do que "Inception".

    []s,
    Renato.

    Caio Cardoso disse...

    Renato,

    pelo que eu lembre, todas as cenas importantes do filme aconteceram em situações que exigiam CGI ou algum outro tipo de efeito especial, deve ser por isso que não lembras de nenhuma cena marcante sem esses recursos.


    pra mim o Nolan fez imagens belissimas com a camera, a sequencia sem gravidade, dentro do corredor do hotel é de deixar o público atordoado.

    Visualmente Inception briga ferozmente com Matrix, mas concordo que os irmãos Watchoaski conseguiram adaptar o roteiro pro filme de um jeito mais redondo.

    Por mais que a narrativa perca seu impacto à medida que digerimos tudo, acho que as idéias levantadas no filme prevalecem, e o debate está proposto. E isso fará A Origem ser lembrado.


    P.S: aliás, o Nolan plagiou o filme Constantine, na cena em que o personagem da Rachel Weiz acorda de um transe dentro de uma banheira, tudo em slow-motion.

    Caio Cardoso disse...

    sinto que me confundi todo no comentário acima heheheh. Só me dá umas duas semanas pra eu assistir o filme de novo. = D

    RENATO SILVEIRA disse...

    Caio,

    Certamente que o filme será lembrado. Não duvido disso e vejo méritos. Além do mais, existem vários filmes que se tornam clássicos porque o roteiro é genial. Que "Inception" é uma aposta certa para o Oscar é inquestionável também. Eu entendo que dentro do rol de filmes em que ele se insere - blockbusters, filmes de verão - é algo sublime mesmo. Ainda mais num ano tão abaixo da média.

    Mas vejam, o meu ponto é tentar levantar questões que vão além do elogio fácil que se pode fazer ao filme. Eu não gosto de escrever para falar que o roteiro é genial (e realmente é), que o elenco é muito bom (e em "Inception" é mesmo), que os efeitos são excelentes (e em "Inception" são mesmo!) etc. Eu acho mais interessante problematizar, digamos. Não que eu queira dar uma de diferente, só não tenho interesse nenhum em escrever para chancelar ou não a opinião do leitor, para usar juízo de valor, essas coisas (aliás, esse é um dos motivos de eu ter acabado com as cotações no final dos textos). E com o tempo que a gente vai pensando em cinema, a gente vai pensando mais em imagem do que em história. Por isso minhas ressalvas quanto ao trabalho visual do Nolan, que achei muito correto (eu usei o termo "burocrático" num comentário anterior, mas não era a palavra que eu procurava).

    Eu revi o filme nessa segunda-feira e não mudo minha opinião: apreciei ainda mais a história e a inteligência da estrutura do roteiro, mas continuo achando que falta criatividade visual.

    Ora bolas, até o Dr. Raymond Stantz teve uma imaginação mais fértil quando pensou no Mr. Stay Puft no final de "Os Caça-Fantasmas"! Agora, esta é uma cena memorável.

    Concordo que os corredores sem gravidade são um troço bacanérrimo. Mas sendo muito sincero, precisa de mais para realmente me impressionar. E quando digo "cenas marcantes", estou falando não apenas de estilo, mas do significado que um diretor atribui a essas imagens. Por exemplo, já que citei Spielberg anteriormente: duas cenas inesquecíveis de "Guerra dos Mundos" (que nem é o filme do Spielberg que todo mundo lembra de primeira) para mim são a multidão tentando tomar o carro e a arma do personagem do Tom Cruise e o trem pegando fogo que passa na frente dele. São imagens com estilo e que tem um contexto dentro do tema do filme.

    Corredores sem gravidade são ótimos cenários para cenas de ação. Mas o que se tira dali dentro do tema de "Inception"? As coisas mais marcantes do filme nesse sentido são extraídas dos diálogos, não das imagens - a exceção sendo a última cena, que, como já falei, é o grande feito visual do Nolan para mim neste filme.

    []s,
    Renato.

    Unknown disse...

    Também discordo. Vários filmes vieram a minha cabeça durante "A Origem" - "Matrix", claro, "Ilha do Medo", "Vanilla Sky", "Brilho Eterno de uma mente sem lembranças" -, mas nenhum do David Lynch.

    Em nenhum momento achei o filme mais explicativo que, por exemplo, "Matrix", e os diálogos em geral foram fáceis de acompanhar (com uma ou outra excessão). Tirando a Ellen Page, que, como o Caio Cardoso disse aí em cima, também não me convenceu. Ela é muito novinha e algumas coisas que ela falava não soavam naturais. E, peloamordedeus, nada, NADA!, faz a opção dublada ser considerada. :P

    Vai ver que é por isso também que não achei o filme difícil de entender, o que provavelmente não me levou a compará-lo com um filme de Lynch. Houveram diálogos explicativos, claro, mas os achei orgânicos. Mas não foram somente eles que ajudaram no entendimento. O próprio visual das cenas, o uso das cameras-lentas (é assim o plural?) e a edição ajudam na compreensão. Se fosse outro diretor é claro que seria diferente. Mas a racionalidade de Nolan, pelo menos pra mim, funcionou muito bem.

    E sobre o universo onírico dele precisar de mais imaginação, eu acho que é uma forma errada de analisar o filme. Não acho que temos que pensar no filme no que ele poderia ser, mas pelo que ele é. Acho que a premissa de se usar sonhos arquitetados e construidos de maneira que os ladrões conseguissem obter suas informações funciona muito bem. Claro que temos muitos sonhos loucos, mas lembre-se também que os sonhos do filme são curtos (o último deles, o maior, com apenas 1 hora de duração, levaria uma semana no mundo dos sonhos). Além disso, eles usam aquela "máquina" (que, ao meu ver corretamente, não é explicada) que pode ter também alguma função maior do que apenas sedá-los.

    E afinal, essa é a magia do cinema. Os filmes funcionam de maneira diferente pra cada espectador (e até para um mesmo espectador em diferentes momentos), e por isso estamos aqui discutindo sobre eles! Se todos achassem a mesma coisa, não teria o que discutir!

    Um grande abraço!
    Filipe (@filipesmg)

    phresquin disse...

    Acho que o grande 'problema' de Inception gira em torno de seu realizador, Chris Nolan. Todo trabalho do diretor é aguardado com ansiedade em excesso desde batman begins. Achei Inception sensacional, belo filme. Li e vi alguns comentarios na internet de pessoas (criticos ou não) sobre o desejo de atacar o mesmo dizendo que não é a obra-prima que todos aguardavam. Gerar expectativa de um filme dá nisso. O objetivo de Nolan não é criar uma saga, com estilos, roupas, mística, enfim, como feito em Matrix, por isso acho a comparação descabida e sem proposito. E aí vai uma cutucada no Renato: Vc é um dos poucos que gosta dos trabalhos recentes de Shyamalan (que como diretor e escritor, pra mim está cada vez mais simplista) e ainda sim cobra de nolan uma perfeição, uma diferenciação maior em seus trabalhos (seja como diretor ou como roteirista).
    Abraços

    RENATO SILVEIRA disse...

    Filipe, não é que eu me lembrei do David Lynch por causa de alguma cena do "Inception". Foi uma referência imediata apenas por se tratar de um cineasta que faz filmes sobre sonhos. Eu realmente não devia ter citado Lynch como exemplo no texto... Todo mundo parece estar interpretando mal.

    Outra coisa, quando critico a carência de imaginação, estou analisando o filme justamente pelo que ele é, ué. OK, os sonhos do filme não são orgânicos. São construídos, arquitetados. E justamente por haver essa possibilidade eles, os ladrões, deveriam se aproveitar mais do poder de manipulação, não? Ou seria o contrário: o personagem do Cillian Murphy não deveria estranhar que o sonho está muito real para ser sonho? Agora, sim, estou sugerindo o que o filme poderia ser. :)

    PH, eu não gerei grande expectativa sobre "Inception". Juro. Pelo contrário, até me resguardei depois que o hype estourou com a estreia nos EUA. E quanto a "Matrix", em nenhum momento eu a fiz a comparação no sentido que você colocou. O que eu quis dizer é que "Matrix", assim como "Inception", trabalha com temas relacionados a sonhos, projeções do real, imaginação vs. realidade etc. E os irmãos Wachowski souberam explicar seus conceitos de uma forma mais simples e objetiva que o Nolan, até pelo fato de terem optado por uma narrativa linear. "Inception" não é difícil. Mas é inegável que sua estrutura torna a narrativa mais complexa. É um filme quebra-cabeça. E isso é positivo (aqui estou eu defendendo o filme de novo e parece que todos ainda acham que eu não gostei).

    Sobre o Shyamalan, são outros quinhentos. E eu não quero que Nolan seja perfeito. Nunca falaria isso, até porque vários dos filmes que mais gosto são imperfeitos. Além do mais, gosto muito de todos os filmes anteriores do Nolan, que para mim são melhores do que "Inception". A única coisa que eu gostaria é que ele usasse mais a inteligência visualmente, pois no roteiro a gente já sabe que ele é bom. Em "O Grande Truque" e no "Cavaleiro das Trevas" eu acho que ele se sai bem melhor na direção do que no "Inception".

    []s!

    bettaum disse...

    Entendi sua crítica de falta de cenas de impacto visual e concordo até certo ponto.
    Considero que todo o conceito e imagens decorrentes da interferência na gravidade no nível 2 do sonho são geniais.

    Você escreveu:
    "Ou seria o contrário: o personagem do Cillian Murphy não deveria estranhar que o sonho está muito real para ser sonho?"
    Acho que você se engana nesse ponto.

    No primeiro nível o Cillian Murphy não sabe que é esse, pelo contrário, mesmo nos níveis seguintes ele é levado a crer que o primeiro nível era a realidade.
    No segundo nível é revelado para ele que aquilo era um sonho, mas que seria um sonho criado artificialmente para parecer a realidade pelos sequestradores, ou seja, não haveria porque ele achar ser "muito real".

    E mesmo nesse sonho "muito real" há alterações na gravidade, não tem tanta aparência de real assim.

    No terceiro nível ele já sabia que estava sonhando e entrando em outro sonho construído, ou seja, feito pra parecer real mesmo.
    Não haveria o que estranhar.

    E uma confusão que muita gente faz é com a percepção instantânea do sonho e a lembrança posterior.
    O fato de instantaneamente parecer linear não significa que ao acordar o sonhador vá lembrar de todos os detalhes.

    os personagens explicam no começo do filme que o objetivo é plantar uma idéia fundo na mente do objeto pra que quando acordar ele se lembre da sensação e sentido gerais.
    O Cillian Murphy só acordaria com uma intenção firme de dividir a empresa e de reconciliação com o pai, mas sem saber exatamente porque.

    Unknown disse...

    Renato, depois que li seu comentário anterior eu entendi melhor sua referência a David Lynch, mas o que eu quis dizer é que seus filmes não foram os primeiros que vieram a minha mente ao assistir "A Origem".

    Os sonhos do filme são mais normais, o que não quer dizer que serão lembrados dessa maneira depois (digo, de maneira completa ou até de serem lembrados). Eu não costumo lembrar muito dos meus sonhos. Alguns são doidos, e alguns são até normais, em que eu faço coisas doidas.

    E pelo que eu entendi, e o filme deixa de certa forma claro, é que o arquiteto não pode fazer qualquer coisa sem ser notado. E se ele for notado, o plano vai por água abaixo.

    Isso me soou bastante normal e orgânico dentro da premissa do filme. Mas também entendo o seu ponto de vista. Talvez eu até tivesse pensado dessa forma se tivesse assistido ao filme com outro humor.

    Outra coisa que pensei aqui mas não sei se é assim mesmo (teria que assistir de novo): como é dito no filme, nunca sabemos como viemos parar em certo lugar quando sonhamos. Pelo que lembro (mas não estou certo), todos os cortes na "realidade" do filme (ou quase todos) são dessa forma: os protagonistas aparecem em algum lugar e não sabemos como eles chegaram lá. Eles fazemos os planos e depois corta e eles já estão no lugar. Serão apenas elipses ou não? E que idéia mais doida é essa de poder controlar os sonhos? Será que tudo foi sonho do Cobb (controlar sonhos, totem, esposa...)? :)

    Abraço!

    Andre Graciotti disse...

    Renato,bem bacana seu texto (das críticas q não amaram o filme e fizeram ressalvas, a sua achei a melhor até agora). Até concordo com os pontos q vc levantou, apesar de ter gostado mais do filme. Acho q o grande problema do Nolan é justamente o q não o torna um "autor", como muitos querem indicar. Acho q ele é perspicaz para subverter os códigos dos blockbusters sem perder o apelo do um grande público e consegue imprimir uma certa identidade em seus filmes, mas é uma identidade muito mais temática do q estética. Me parece q falta a ele um olhar diferenciado, uma sensibilidade visual refinada que faça com que seus filmes sejam de fato "imagem". O que torna seus filmes tão interessantes é mais como ele trabalha o tema do que as imagens q ele tem a oferecer. Talvez seja isso q te incomodou em Inception (q é - ou deveria ser - o filme mais visual dele).
    De qualquer forma, acho q o universo q ele conseguiu construir é de uma criatividade tão rara que, para mim, supriu eventuais defeitos do filme.
    abs

    Thiago Lucio disse...

    Nossa. Vários comentários e realmente a discussão está interessante. Vou tentar me disciplinar na réplica:

    - o Renato comenta que o filme não é visualmente marcante. Peraí, assistimos o mesmo filme? As passagens relacionadas aos sonhos são hipnotizantes e não estou me referindo apenas ao uso do CGI, mas estou comentando sobre o impacto destas sequências dentro da narrativa. Apenas para ficar em 2 exemplos, eu destaco a sequência do chute inicial em que Di Caprio cai em uma banheira e aquela em que envolve as paredes espelhadas. Ainda assim muito me incomoda essa necessidade da identidade visual do filme, como se fosse uma obrigação. Cinema é audiovisual, mas a experiência envolve todos os sentidos e sentir-se emergido é a melhor herança que você pode levar de um filme pra fora da sala de cinema;

    - Se você se arrepende da comparação com Lynch, deve fazer o mesmo com o Spielberg. "Guerra dos Mundos" é um filme visualmente deslumbrante, porém vazio e inconsequente quando tenta chamar atenção a si e os próprios momentos que você destacou só me lembram o quanto que algumas escolhas de Spielberg são pedestres na tentativa de conferir tensão. Spielberg seria incapaz de fazer um filme visualmente atraente da maneira como Nolan fez e ainda através de uma narrativa que não seja nada afetada por pieguices;

    - quando eu digo que o filme consegue ser simples e complexo ao mesmo tempo é que ele parte de uma premissa absurda e escorregadia, mas consegue ser sustentada através de uma narrativa sóbria e compreensível. Nolan poderia se perder em meio aos devaneios dos sonhos, mas mantém a trama com inteligência com os pés no chão sem parecer afetado ou inapropriado;

    Thiago Lucio disse...

    - em compensação você foi muito feliz em sua comparação com "Matrix", embora a realização dos dois filmes embora distintas se equivalem no resultado final com relação ao que conseguem realizar a partir da sua premissa. Eu poderia imaginar uma série de outras coisas fantásticas e sensacionais para a premissa de Nolan, mas costumo sustentar o filme pelo que ele é e pelo objetivo que ele se propôs e não por aquilo que gostaria de ter visto nele. O problema de problematizar é que você inevitavelmente vai encontrar um problema;

    - Nolan não explica tudo, Nolan apenas mostra o que é necessário para o desenvolvimento da dinâmica da narrativa. E sem dúvida alguma que se tive a capacidade de compreender a narrativa não vou me subestimar, mas mesmo assim de forma alguma esse suposto didatismo interfere na fluência do filme ou no desenvolvimento do que ele propõe. Não estamos assistindo a uma tese de mestrado, é um filme, poxa;

    - os sonhos são construidos e arquitetados para que o sonhador não perceba que está sonhando e/ou que está sendo manipulado, por isso a necessidade de que ele seja uma cópia praticamente fiel à realidade. Isso não é falta de imaginação visual, é coerência interna;

    RENATO SILVEIRA disse...

    O que o bettaum e o Filipe dizem sobre meu questionamento sobre o grau de realidade dos sonhos é bem acertado. Eu polemizei demais nesse aspecto, admito. Até tinha colocado no meu rascunho da crítica que faltavam imagens mais surreais no filme, mas depois abandonei o raciocínio justamente por pensar que os sonhos ali foram arquitetados para que o personagem do Cillian Murphy fosse ludibriado pelos ladrões. Concordo com vocês.

    Filipe, isso que seriam as elipses realmente é uma boa sacada do Nolan. Quanto a ser tudo sonho do Cobb, creio ser a questão X por trás do filme, né? Eu admito que não tenho uma resposta definitiva ainda.

    Andre, concordo que o estilo do Nolan é mais temático que visual, embora também visualmente ele esteja mantendo uma consistência que o classifica como autor.

    E, finalmente, Thiago: obviamente, você está entrando em uma discussão de gostos, da qual ninguém sairá vencendo ou perdendo. E devemos ter visto filmes diferentes mesmo ou então não sou tão suscetível assim ao hipnotismo, pois as duas cenas que você citou não me impressionaram em nada! A dos espelhos é interessante, concordo, mas a da banheira é um efeito de slow motion batido que tem sido usado à exaustão já há mais de dez anos. Não compreendo qual o grande impacto narrativo dela também. O cara cai na água em câmera lenta, porque o tempo ali naquele nível passa mais devagar, e acorda. E é isso. O único impacto aqui é mecânico dentro da estrutura do roteiro. OK, é visual, não é diálogo. Mas é um efeito especial correto, nada mais. Não tem como tirar um significado temático daí. Mas volto a dizer: você gostou do resultado da cena. Ótimo. Eu não. Sinto que não vamos sair disso (a não ser que alguém faça a inserção dessa ideia no meu subconsciente :P).

    Identidade visual é obrigatória em cinema, sim. Não há como fugir disso. Até o Michael Bay tem uma. E o Nolan imprime identidade aos seus filmes também, ainda que ela seja dependente do texto.

    E não me arrependo em citar Spielberg não, senhor. Vamos cair na discussão de gostos novamente, mas "Guerra dos Mundos" me diz muito mais tematicamente e visualmente do que "Inception", por mais que sejam filmes sobre assuntos completamente diferentes. E você diz que Spielberg é piegas, mas quem não resiste à modinha do super slow motion, isso sim uma baita de uma pieguice, é o Nolan, o Zack Snyder e cia. O que o Spielberg não tem de roteirista, o Nolan não tem de diretor.

    E pela enésima vez, eu nunca disse que o didatismo, o texto acessível, auto-explicativo etc. interferem na narrativa de "Inception". Muito menos cobro que o filme seja complexo ou uma tese de mestrado, como você colocou. Minha crítica é à ausência de imaginação visual (sim, vou insistir) para ilustrar essa explicação. Em 90% do tempo que dedica a explicar, o Nolan recorre a diálogos. Não tem como o filme não ser compreensível assim. E como não tenho o poder de mudar o filme ao meu gosto, tenho que criticar, oras: o filme é excessivamente textual. É o que me incomoda.

    []s.

    Thiago Lucio disse...

    No final das contas tudo acaba sendo uma questão de gosto. Você mesmo, por exemplo, detalhou alguns aspectos positivos da cena que comentei e se mesmo assim não lhe soou interessante visualmente, é inútil insistir. Volto a insistir que identidade visual obrigatória é apenas a do RG. Ok, vivemos numa Era do cinema de autor, mas não gosto de limitar a arte. A identidade de um filme vai muito além do simples RG e sou muito mais fã de filmes com personalidade do que identidade (que mostra para o que veio e que não apenas se mostra). Eu não sou o maior fã de Spielberg, muito menos de "Guerra dos Mundos" e este filme não chegou a me impactar nem 1% do que a obra de Nolan. Existe uma grande diferença entre o Nolan e o Snyder e acho que o primeiro faz muito bem o uso do slow motion até mais como ferramenta dramática do que propriamente estética. Não considero o filme textual, verborrágico, didático, whatever. Ficaremos andando em círculos. Não considero "A Origem" a nova maravilha do mundo, é um excelente filme, o melhor do ano até o momento. Pena que você não curtiu tanto quanto eu. Obrigado pelo espaço, bons filmes prá nóis, mano... rsrs

    Unknown disse...

    Sim, Renato, é a questão central do filme mesmo. O que eu quis dizer que eu não tinha certeza é se a questão das elipses vale o tempo todo. Em grande parte eu sei que vale, porque eu percebi. Além disso, o que eu quis dizer é que a ideia de "faltar loucura" nos sonhos pode ser compensada se o filme todo for mesmo sonho de uma pessoa normal, porque a ideia de entrar nos sonhos dos outros não é nova, mas é bem louca! hehehe

    Outra coisa que eu queria falar mas esqueci: não gostei muito do título "A Origem". Em todas as legendas eles traduzem "inception" por "inserção", exceto a última, quando traduziram a fala do Cobb pra Ariadne no limbo como algo do tipo: "Há algo que você precisa saber sobre A ORIGEM...". Achei até estranho isso.

    Unknown disse...

    Me incomoda um pouco essa separação tão... exata que o Renato faz sobre Cinema mais como imagem do que história. Acredito que, se ha um problema no filme do Nolan, é sabermos tudo depois de uma reassistida, e não mais nos surpreendermos com o que vimos, ou aprendermos nada de novo. Só apenas apreciar a engenhosidade do roteiro. Exemplo: assisti pela enésima vez Match Point, sei de todas as reviravoltas, mas sempre há possibilidades de novas leituras. Com A Origem, creio que não, porque a estrutura narrativa foi o grande objetivo de Nolan. Ainda assim... o filme é genial.

    Rodrigo Monzani disse...

    Quando terminei de assistir A Origem, pensei que foi como ver uma espécie ainda quase inédita de filme, algo como uma obra comercial e de grande orçamento de Kubrick, ou Almodóvar, ou Goundre ou outro diretor “Cult”. É claro que os filmes de Kubrick são comerciais, todos são, essa história de filmes de arte pela arte apenas existirá quando todos os estúdios e profissionais da película realizarem seus trabalhos for free. Mas com A Origem, Nolan fez do cinema comercial uma experiência mais sofisticada, semanticamente falando, ou seja, é antes de tudo, um filme sobre aspectos humanos. Penso que as pessoas tendem a achar o roteiro demasiadamente explicativo por dois motivos principais: Primeiro porque é um filme sobre sonhos, e tendemos a considerá-los (os sonhos) filhos do acaso e desregradamente concebidos na anarquia. Segundo porque existem muitas distrações no filme. E como o aspecto emocional é o centro que amarra toda história, todas as linhas que se desenrolam longe da relação entre Cobb e Mal parecem ser meramente o manual para o que está por acontecer; afinal de contas, estamos falando de sonhos! Não há necessidade de tanta lógica, certo? É só querer chegar em tal lugar e pronto, não preciso escalar uma montanha nevada... eu quero e pronto, acontece. Sonhos são assim, não são? Neste caso, não são. Estas pessoas trabalham com sonhos, ou seja, uma experiência inata transformada em experiência social. Não se sonha sozinho, mas junto, e o subconsciente invadido pode e vai dificultar as coisas, se perceber algo vindo de fora de sua mente. Não pode ser visto como, por exemplo, “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças”, onde a experiência em si é surreal, não linear e muitas vezes resultado de um vício. Para entendê-lo, penso que se deve partir de um pressuposto anunciado já na segunda metade do filme: Cobb fez uma inserção em Mal, que a levou à morte. Esta é a origem do problema que o assombra e faz do filme, através daquelas mesmas linhas que se desenrolam longe da relação entre marido e mulher, um filme de ação. Talvez haja necessidade de um segundo pressuposto: ninguém quer dominar o subconsciente de outra pessoa (mesmo porque com o grau de sedação, o invasor não poderia nem mesmo dominar a si mesmo) Quer, na verdade, o contrário: passar despercebido e plantar (ou roubar) uma idéia. Pronto, aos críticos negativos resta apenas o consolo que talvez seus próprios sonhos sejam mais interessantes que o filme de Nolan. Dizer que o filme não faz a parte do cinema-bom-pela-atuação e que Nolan conduz mal os diálogos é fechar os olhos para uma necessidade muito simples: bem, para ser filmado, alguém deveria atuar neste roteiro. É algo comparado a tentar gravar o talento de Jimmi Hendrix num vídeo ou num arquivo de áudio: é tenta essência que se perde que somente podemos sonhar em como isso poderia ser melhor. Existe um sem número de filmes dentro do plot de A Origem. O que Nolan escolheu fazer é um dos ótimos que poderiam ter sido feitos.

     
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