Vocês sabem que eu sou defensor do cinema de M. Night Shyamalan. Gosto de todos os seus filmes, o que não me torna cego em relação aos defeitos que cada um possui (digo isso com todas as letras no texto sobre “Fim dos Tempos”). E em “O Último Mestre do Ar”, Shyamalan erra onde já errou antes: na direção de atores, na precariedade dos diálogos, no simplismo do roteiro. Já sabendo disso, será que não dá para apreciar o filme por aquilo que ele tem de melhor e de mais importante?
Shyamalan demonstra aqui a mesma destreza na direção de seus trabalhos anteriores. A mesma técnica de filmar em plano-sequência empregada nas cenas de luta ele usa para conceber cenas mais simples, às vezes para filmar um diálogo. Outras vezes, o plano é fixo enquanto os personagens conversam – e se ele sente a necessidade de fazer o contracampo, uma mudança de foco é suficiente. É tudo sucinto e econômico, e é isso que é bom demais nos filmes de Shyamalan: ele parece já montá-los enquanto dirige, para depois não ter que ficar brincando de corta e cola na pós-produção para tentar dar algum sentido àquilo tudo. Em sua primeira aventura no comando de um filme infantil e de ação, Shyamalan fez o anti-“Transformers”.
Enquanto assistia ao filme, eu cogitei a possibilidade de Shyamalan ter pensado em fazer algo para que o público infantil tenha contato com uma direção boa de verdade e com tomadas que durem mais de dois segundos. Mas mesmo que não tenha sido essa a intenção do diretor, o filme por si só oferece às crianças essa oportunidade de estar diante de uma opção estética que vai contra as tendências atuais (todas combinadas nos filmes de robôs de Michael Bay), mesmo que esse público ainda não tenha uma visão crítica para diferenciar o erro do acerto. De certo modo, é um tipo de educação.
Fala-se que o roteiro de “O Último Mestre do Ar” é ruim, que as falas são ridículas e que os atores não ajudam em nada. Olha, vou discordar, porque, por mais que eu reconheça que não existe ali nenhuma excelência em termos de escrita ou de atuação, encontra-se coisa igual ou pior em muitos filmes infantis não tão apedrejados, como “As Crônicas de Nárnia”, “Eragon” e mesmo alguns dos “Harry Potter” ou “A História Sem Fim” (que era um filme bem melhor na minha memória, até uma revisão recente). A sensação é a de que preconceito e descrédito tomaram conta do imaginário coletivo após a má fama conquistada por Shyamalan junto à parte da crítica com “A Vila”, e que alcançou seu cume com “A Dama na Água”. Agora, é como se ele soprasse a trombeta que anuncia o apocalipse.
Retomo aqui a discussão de as pessoas darem mais atenção para a história do que para a imagem, iniciada lá no texto sobre “A Origem”, e é porque tenho a convicção de que roteiro e atuação são supervalorizados. Não é que roteiro e atuação não sejam importantes, mas é que acredito que eles devem ser guiados pela direção, e não o contrário. É a direção, acima de tudo, que deve fazer com que o texto e seus intérpretes ajudem a formar as imagens pretendidas pelo cineasta. Hollywood inverteu essa hierarquia ao longo dos anos (com o star system, com os blockbusters e etc.) e o olhar da maioria dos espectadores não foi educado a apreciar um plano-sequência engenhoso ou uma boa composição de quadro. Por outro lado, eles sabem como ninguém apontar os furos de um roteiro – que sequer leram.
Não é que um filme deva se resumir a um exercício de estilo, coisa que Shyamalan definitivamente não faz. O ideal é que haja equilíbrio. O problema que eu vejo é que as qualidades de Shyamalan na direção têm sobressaído às que ele possui como roteirista. Brian De Palma foi vítima dessa síndrome. O mesmo com Paul Verhoeven, John Carpenter e outros cineastas fantásticos que já se deram bem no mainstream e depois foram igualmente massacrados porque “o roteiro era ruim”. Shyamalan tem ido pelo mesmo caminho e agora parece inevitável que ele tome uma decisão: ou segue rumo a um cinema independente direcionado ao público que o acolhe, ou dá meia volta e segue as regras dos grandes estúdios e, principalmente, as regras do grande público. Dá para ser autor, sem ser pau mandado. Tem é que saber jogar.
O Último Mestre do Ar (The Last Airbender, 2010, EUA)
direção: M. Night Shyamalan; roteiro: M. Night Shyamalan; fotografia: Andrew Lesnie; montagem: Conrad Buff; música: James Newton Howard; produção: Scott Aversano, Frank Marshall, Sam Mercer, M. Night Shyamalan; com: Noah Ringer, Dev Patel, Nicola Peltz, Jackson Rathbone, Shaun Toub, Aasif Mandvi, Cliff Curtis, Seychelle Gabriel; estúdios: Paramount Pictures, Nickelodeon Movies, Blinding Edge Pictures, The Kennedy/Marshall Company; distribuição: Paramount Pictures.
Shyamalan demonstra aqui a mesma destreza na direção de seus trabalhos anteriores. A mesma técnica de filmar em plano-sequência empregada nas cenas de luta ele usa para conceber cenas mais simples, às vezes para filmar um diálogo. Outras vezes, o plano é fixo enquanto os personagens conversam – e se ele sente a necessidade de fazer o contracampo, uma mudança de foco é suficiente. É tudo sucinto e econômico, e é isso que é bom demais nos filmes de Shyamalan: ele parece já montá-los enquanto dirige, para depois não ter que ficar brincando de corta e cola na pós-produção para tentar dar algum sentido àquilo tudo. Em sua primeira aventura no comando de um filme infantil e de ação, Shyamalan fez o anti-“Transformers”.
Enquanto assistia ao filme, eu cogitei a possibilidade de Shyamalan ter pensado em fazer algo para que o público infantil tenha contato com uma direção boa de verdade e com tomadas que durem mais de dois segundos. Mas mesmo que não tenha sido essa a intenção do diretor, o filme por si só oferece às crianças essa oportunidade de estar diante de uma opção estética que vai contra as tendências atuais (todas combinadas nos filmes de robôs de Michael Bay), mesmo que esse público ainda não tenha uma visão crítica para diferenciar o erro do acerto. De certo modo, é um tipo de educação.
Fala-se que o roteiro de “O Último Mestre do Ar” é ruim, que as falas são ridículas e que os atores não ajudam em nada. Olha, vou discordar, porque, por mais que eu reconheça que não existe ali nenhuma excelência em termos de escrita ou de atuação, encontra-se coisa igual ou pior em muitos filmes infantis não tão apedrejados, como “As Crônicas de Nárnia”, “Eragon” e mesmo alguns dos “Harry Potter” ou “A História Sem Fim” (que era um filme bem melhor na minha memória, até uma revisão recente). A sensação é a de que preconceito e descrédito tomaram conta do imaginário coletivo após a má fama conquistada por Shyamalan junto à parte da crítica com “A Vila”, e que alcançou seu cume com “A Dama na Água”. Agora, é como se ele soprasse a trombeta que anuncia o apocalipse.
Retomo aqui a discussão de as pessoas darem mais atenção para a história do que para a imagem, iniciada lá no texto sobre “A Origem”, e é porque tenho a convicção de que roteiro e atuação são supervalorizados. Não é que roteiro e atuação não sejam importantes, mas é que acredito que eles devem ser guiados pela direção, e não o contrário. É a direção, acima de tudo, que deve fazer com que o texto e seus intérpretes ajudem a formar as imagens pretendidas pelo cineasta. Hollywood inverteu essa hierarquia ao longo dos anos (com o star system, com os blockbusters e etc.) e o olhar da maioria dos espectadores não foi educado a apreciar um plano-sequência engenhoso ou uma boa composição de quadro. Por outro lado, eles sabem como ninguém apontar os furos de um roteiro – que sequer leram.
Não é que um filme deva se resumir a um exercício de estilo, coisa que Shyamalan definitivamente não faz. O ideal é que haja equilíbrio. O problema que eu vejo é que as qualidades de Shyamalan na direção têm sobressaído às que ele possui como roteirista. Brian De Palma foi vítima dessa síndrome. O mesmo com Paul Verhoeven, John Carpenter e outros cineastas fantásticos que já se deram bem no mainstream e depois foram igualmente massacrados porque “o roteiro era ruim”. Shyamalan tem ido pelo mesmo caminho e agora parece inevitável que ele tome uma decisão: ou segue rumo a um cinema independente direcionado ao público que o acolhe, ou dá meia volta e segue as regras dos grandes estúdios e, principalmente, as regras do grande público. Dá para ser autor, sem ser pau mandado. Tem é que saber jogar.
O Último Mestre do Ar (The Last Airbender, 2010, EUA)
direção: M. Night Shyamalan; roteiro: M. Night Shyamalan; fotografia: Andrew Lesnie; montagem: Conrad Buff; música: James Newton Howard; produção: Scott Aversano, Frank Marshall, Sam Mercer, M. Night Shyamalan; com: Noah Ringer, Dev Patel, Nicola Peltz, Jackson Rathbone, Shaun Toub, Aasif Mandvi, Cliff Curtis, Seychelle Gabriel; estúdios: Paramount Pictures, Nickelodeon Movies, Blinding Edge Pictures, The Kennedy/Marshall Company; distribuição: Paramount Pictures.
4 comentários:
Espero que a ganância não fale mais alto e que Shyamalan tome a primeira rota sugerida por ti...
Também, gosto do cinema de Shyamalan (excessão somente a "A dama na água" que achei chatissimo e inverossímel demais, mesmo para uma fantasia).
Gosto principalmente da "calma" de sua direção/montagem; já não suporto mais filmes que parecem ter sido filmados por um "camera" sofrendo ataque epilético, e depois sofrerem uma "montagem "puzzle" não montado" em que parece que o objetivo do montador é inserir o maximo de cenas/cortes por segundo.
Não quer dizer que goste de filmes arrastados (e Shyamalan as vzs é meio arrastado, mesmo), lentos, em que parece que nada ocorre, que um copo dágua é filmado durante meia hora. Nada disso. Mas gosto de ver (e cinema é essencialmente ver, né!? ) e entender o que ocorre em cena.
Ainda não vi "O último mestre do ar", mas pretendo.
P.S. Renato, bem que eu gostaria de ler uma critica/analise sua sobre "Kick-Ass". Tenho algumas ressalvas, sobre o mesmo, mas em geral, achei bem legal.
xlucas
http://womni.blogspot.com
Também sou fã confesso do Shyamalan e adoro praticamente todos os seus trabalhos, mas não sou louco de não reconhecer alguns erros. E foi com surpresa que vi O último mestre do ar. Primeiro, por nunca ter me empolgado com o trailer e,depois, pela péssima recepção crítica. O filme passa longe de ser a bomba anunciada e é muito melhor que muitos dos filmes fantasias vindos após SDA e HP. Peca por um elenco irregular e pelas coreografias que poderiam ter sido melhor desenvolvidas conforme a dificuldade em controlar um elemento, por exemplo. Também não foge de alguns clichês... Mas é uma boa diversão e conseguiu me prender para ver um segundo filme.
Também quero ver uma continuação, Flávio. Mesmo que não seja feita pelo Shyamalan. Vamos torcer para que não se torne outro "A Bússola de Ouro".
[]s!
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