O título de “Ensaio Sobre a Cegueira” é uma grande ironia. É formidável como José Saramago usa uma história que pretensamente trata de uma crise apocalíptica, provocada pela impossibilidade de enxergar, para falar tantas coisas sobre a visão. É como se o autor perguntasse: “Se fôssemos cegos, se não enxergássemos os outros à nossa volta, trataríamos todos da mesma forma, sem ver a cor da pele, sem distinguir o feio do bonito, o limpo do sujo, o novo do velho?”
A cegueira epidêmica que conduz a narrativa é claramente uma metáfora, que se desdobra em cima dos significados tênues que diferenciam o “ver” do “enxergar”, o “olhar” do “observar”. Nesse sentido, Saramago trabalha de forma alegórica, como os melhores autores de histórias de terror ou ficção-científica. É um conto de sobrevivência, onde os monstros são os próprios homens.
A representação da cegueira escolhida por Saramago é a cor branca, justamente o oposto do que se entende, pelo senso comum, como ausência de visão, já que a luz é fundamental para que esse sentido funcione. Se o branco é a soma de todas as cores, é como se, ao ficarem cegos, os personagens da história passassem a enxergar tudo, mas não distinguissem nada. O branco também tem outras significações que podem ser extraídas daí: vazio, tolice, palidez. Mas ser racional demais em cima de todas as interpretações possíveis talvez não seja o ideal.
Fernando Meirelles, ao adaptar para a tela a branquidão imaginada por Saramago, também não se prende a um raciocínio lógico ou formal. Em seu trabalho mais ousado até aqui, do ponto de vista estético, o cineasta concebe junto com seus habituais parceiros – o diretor de fotografia César Charlone e o montador Daniel Rezende – uma série de soluções para representar as idéias presentes no livro. O resultado é um filme muito criativo visualmente e, é óbvio, muito branco. Tão branco, que chega a oprimir o espectador.
O incômodo causado pelas imagens, muitas vezes desfocadas, mal enquadradas, diluídas, é típico de quando se assiste a um filme que inova no uso da linguagem. É isso que Meirelles faz aqui: ele causa uma estranheza difícil de se atravessar à primeira vista, e mesmo quando se volta ao filme. Ele nos coloca diante de um amontoado de cenas esquisitas, como se a câmera fosse desobediente, o que provoca um efeito que lembra o experimento de Lars von Trier em “O Grande Chefe”, só que com resultados muito melhores.
E se Hitchcock tentou criar a ilusão do plano-seqüência em “Festim Diabólico”, a montagem em “Ensaio Sobre a Cegueira” constantemente se utiliza da transição entre as cenas para fazer parecer que um plano se dissolve ou se funde com outro. A sensação do corte muitas vezes é suprimida, o que torna a experiência ainda mais inquietante. Colabora também a trilha sonora concebida pelo grupo Uakti, basicamente feita de ruídos que, a partir de certo momento, se tornam dissonantes das imagens. Conseguiu-se ainda a proeza de criar um som que representa a cegueira, um som fino e agudo, que ouvimos quando a tela se embranquece por completo.
Por mais que Meirelles se renda a efeitos especiais que se revelam desnecessários, como a tomada computadorizada do olho mágico, ou a da “mesa invisível” em que um garoto tromba, ele consegue na maior parte do tempo manter o filme num único tom. A sensação de distopia que se tem nas cenas da quarentena (ou mesmo fora dela, por exemplo, no supermercado) é angustiante. E a pureza que acaba aflorando dos personagens pela cegueira revela muito dos instintos e sentimentos que cada um de nós, naquela situação, poderia se ver naturalmente motivado a demonstrar.
A cegueira epidêmica que conduz a narrativa é claramente uma metáfora, que se desdobra em cima dos significados tênues que diferenciam o “ver” do “enxergar”, o “olhar” do “observar”. Nesse sentido, Saramago trabalha de forma alegórica, como os melhores autores de histórias de terror ou ficção-científica. É um conto de sobrevivência, onde os monstros são os próprios homens.
A representação da cegueira escolhida por Saramago é a cor branca, justamente o oposto do que se entende, pelo senso comum, como ausência de visão, já que a luz é fundamental para que esse sentido funcione. Se o branco é a soma de todas as cores, é como se, ao ficarem cegos, os personagens da história passassem a enxergar tudo, mas não distinguissem nada. O branco também tem outras significações que podem ser extraídas daí: vazio, tolice, palidez. Mas ser racional demais em cima de todas as interpretações possíveis talvez não seja o ideal.
Fernando Meirelles, ao adaptar para a tela a branquidão imaginada por Saramago, também não se prende a um raciocínio lógico ou formal. Em seu trabalho mais ousado até aqui, do ponto de vista estético, o cineasta concebe junto com seus habituais parceiros – o diretor de fotografia César Charlone e o montador Daniel Rezende – uma série de soluções para representar as idéias presentes no livro. O resultado é um filme muito criativo visualmente e, é óbvio, muito branco. Tão branco, que chega a oprimir o espectador.
O incômodo causado pelas imagens, muitas vezes desfocadas, mal enquadradas, diluídas, é típico de quando se assiste a um filme que inova no uso da linguagem. É isso que Meirelles faz aqui: ele causa uma estranheza difícil de se atravessar à primeira vista, e mesmo quando se volta ao filme. Ele nos coloca diante de um amontoado de cenas esquisitas, como se a câmera fosse desobediente, o que provoca um efeito que lembra o experimento de Lars von Trier em “O Grande Chefe”, só que com resultados muito melhores.
E se Hitchcock tentou criar a ilusão do plano-seqüência em “Festim Diabólico”, a montagem em “Ensaio Sobre a Cegueira” constantemente se utiliza da transição entre as cenas para fazer parecer que um plano se dissolve ou se funde com outro. A sensação do corte muitas vezes é suprimida, o que torna a experiência ainda mais inquietante. Colabora também a trilha sonora concebida pelo grupo Uakti, basicamente feita de ruídos que, a partir de certo momento, se tornam dissonantes das imagens. Conseguiu-se ainda a proeza de criar um som que representa a cegueira, um som fino e agudo, que ouvimos quando a tela se embranquece por completo.
Por mais que Meirelles se renda a efeitos especiais que se revelam desnecessários, como a tomada computadorizada do olho mágico, ou a da “mesa invisível” em que um garoto tromba, ele consegue na maior parte do tempo manter o filme num único tom. A sensação de distopia que se tem nas cenas da quarentena (ou mesmo fora dela, por exemplo, no supermercado) é angustiante. E a pureza que acaba aflorando dos personagens pela cegueira revela muito dos instintos e sentimentos que cada um de nós, naquela situação, poderia se ver naturalmente motivado a demonstrar.
nota: 8/10 -- veja no cinema e Compre o DVD
Ensaio Sobre a Cegueira (Blindness, 2008, Brasil/Canadá/Japão)
direção: Fernando Meirelles; com: Julianne Moore, Mark Ruffalo, Alice Braga, Yusuke Iseya, Yoshino Kimura, Don McKellar, Danny Glover, Gael García Bernal, Maury Chaykin, Mitchell Nye; roteiro: Don McKellar; produção: Andrea Barata Ribeiro, Niv Fichman, Sonoko Sakai; fotografia: César Charlone; montagem: Daniel Rezende; música: Marco Antônio Guimarães, Uakti; estúdio: O2 Filmes; distribuição: 20th Century Fox. 120 min
direção: Fernando Meirelles; com: Julianne Moore, Mark Ruffalo, Alice Braga, Yusuke Iseya, Yoshino Kimura, Don McKellar, Danny Glover, Gael García Bernal, Maury Chaykin, Mitchell Nye; roteiro: Don McKellar; produção: Andrea Barata Ribeiro, Niv Fichman, Sonoko Sakai; fotografia: César Charlone; montagem: Daniel Rezende; música: Marco Antônio Guimarães, Uakti; estúdio: O2 Filmes; distribuição: 20th Century Fox. 120 min
1 comentários:
ESSE FILME É FANTASTICO!
SARAMAGO FOI FANTASTICO!
Nao me surpreende nao ver comentarios sobre ele...
Todos só querem assistir filmes sobre tiros, mulheres bonitas ou comedias idiotas.
Eu fiquei revoltado durante o filme, sobre as açoes que tomamos no cotidiano, que concordamos com o que acontece.
E vem alguem que tinha uma visao alem, que enxergava realmente o que somos, e dá tapas na cara, socos na alma e chacoalha nosso senso do correto.
Me revoltei.
Nao com o filme, mas com a verdade que ele traz, mostrando que somos realmente cegos.
Cegos de orgulho, insensatez, egoismo e falsos altruismos.
Fantastico.
Um dos poucos nota 10 da minha vida.
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