Que se deixe de lado quaisquer polêmicas de âmbito histórico e opiniões pessoais sobre política ou estética: “Maria Antonieta” é o filme que define Sofia Coppola como autora e a consagra como cineasta. Se colocarmos seus três longas lado a lado, é possível identificar claramente um estilo próprio. Eles carregam a sua marca. Neste mais recente e mais provocativo trabalho, ela vai além: mexe em vespeiro, divide platéias, atrai aplausos e vaias. Está agora batizada como uma verdadeira artista.
Assim como fez em “Virgens Suicidas” e “Encontros e Desencontros”, a diretora novamente focaliza o íntimo feminino, retratando, em um recorte, a rainha da França como uma adolescente forçada a assumir responsabilidades que não pediu para serem suas. Foi afastada da família e dos amigos na Áustria aos 14 anos de idade para se casar com Luís XVI (Jason Schwartzman), apenas um ano mais velho que ela, na França, como parte de uma aliança de paz entre os governos dos dois países. Aos 19, ela já havia sido colocada no posto de governante em um lugar de cultura e costumes diferentes dos seus, cercada por mimos e obrigada a seguir os protocolos da realeza.
Na pele de Kirsten Dunst (com quem Sofia Coppola já havia trabalhado em “Virgens Suicidas”), Maria Antonieta é uma rainha pop – característica reforçada pela trilha sonora, que mescla Vivaldi com The Cure, New Order, Bow Wow Wow e The Strokes. Assim como a infame aparição de um tênis All Star num canto da tela, as canções New Wave e Post-Punk são peças fora do tempo em que se passa o filme, da mesma forma que Maria Antonieta é uma personagem anacrônica, uma mulher que parece não pertencer àquela época. Ela não se preocupa em ser rainha; ela se preocupa apenas em ser ela mesma. É provavelmente a primeira individualista (na acepção original do termo) da História.
De todos no reino, a Maria Antonieta de Sofia Coppola é a única que consegue ver tudo de fora. Outsider, ela compartilha com o público a visão de que tudo aquilo é um grande circo. A diretora dá uma prova de seu brilhantismo neste primeiro ato, fazendo com que Kirsten Dunst seja a única “figura móvel” em cena. Enquanto todos ao seu redor parecem ser apenas personagens ilustrativos em um quadro antigo, Maria Antonieta é aquela que gira a cabeça para os lados e observa os outros com um sorriso de quem desdenha, sem esconder o olhar de tédio.
Mas ela se afasta do público logo em seguida quando mergulha nas regalias que a cercam, vivendo de festas, doces, bebidas, jogos e tardes ao léu em seu palacete particular. Nesse momento em que o filme parece parar, quase adormecendo junto com a protagonista na grama de seu jardim, Sofia Coppola está agindo. Com sua direção silenciosa, ela pára a narrativa, faz cenas em que nada acontece. É como se ela se isolasse junto com Maria Antonieta, numa entrega total do filme à personagem.
Coppola acredita no espectador e desafia a linguagem. As passagens de tempo não seguem um padrão (os nove meses de uma gestação passam em um corte), pinturas são utilizadas para contextualizar eventos, música em playback parece tocar como música ambiente, os cenários são tão carregados de detalhes que chegam a ter informação em excesso. E os anos passam, mas Maria Antonieta e Luís XVI não envelhecem. Ambos deixaram Versalhes aos 35 anos, mas no filme continuam aparentando ter a mesma idade com que chegaram lá – como se a diretora quisesse salientar que eles nunca deixaram de ser crianças brincando de poder.
O filme volta a “andar” quando a crise se torna insustentável e a revolução estoura. Junto com Luís XVI, com quem divide uma cumplicidade sobre tudo que os levou até ali, Maria Antonieta assume a culpa por ter sido ela mesma quando todos se contentavam em interpretar papéis sociais. Sofia Coppola não se compadece totalmente da rainha ou tenta transformá-la em uma heroína. Ela deixa claro que Maria Antonieta foi egoísta por não se interessar pela política e preferir se dedicar quase que exclusivamente ao consumismo de futilidades. Porém, é bem possível que ela sequer soubesse a dimensão de seus gastos, já que não tinha entendimento sobre a economia do país. O papel da mulher ali é apenas o de dar cria e jamais a vemos ser incentivada a ter outras aspirações. Maria Antonieta se torna não mais que uma peça de decoração do palácio. A única pessoa que aconselha sobre suas obrigações enquanto rainha é o emissário/espião de sua mãe (vivido por Steve Coogan). No mais, ela é apenas o fruto que Versalhes cultivou.
Sofia Coppola, que escreveu o roteiro com base no livro de Antonia Fraser, se junta à corrente que busca valorizar a imagem de Maria Antonieta, mostrando que ela e Luís XVI não foram os culpados absolutos pela situação que levou à revolução, já que, pela inexperiência, ambos acabaram sendo usados para servir aos interesses de outros. Maria Antonieta era jovem e quis viver como jovem. Quis dançar e se apaixonar, e o fez. Cercaram-na de pomposidades e ela quis aproveitar tudo o que podia. É o que a personagem deixa implícito logo nos créditos de abertura – deitada numa poltrona, cercada por tortas de morango, ela lambe as pontas dos dedos enquanto uma criada ajeita os enfeites em seus sapatos. Então, fita a platéia, como se dissesse: “O que vocês esperavam que eu fizesse?”
Assim como fez em “Virgens Suicidas” e “Encontros e Desencontros”, a diretora novamente focaliza o íntimo feminino, retratando, em um recorte, a rainha da França como uma adolescente forçada a assumir responsabilidades que não pediu para serem suas. Foi afastada da família e dos amigos na Áustria aos 14 anos de idade para se casar com Luís XVI (Jason Schwartzman), apenas um ano mais velho que ela, na França, como parte de uma aliança de paz entre os governos dos dois países. Aos 19, ela já havia sido colocada no posto de governante em um lugar de cultura e costumes diferentes dos seus, cercada por mimos e obrigada a seguir os protocolos da realeza.
Na pele de Kirsten Dunst (com quem Sofia Coppola já havia trabalhado em “Virgens Suicidas”), Maria Antonieta é uma rainha pop – característica reforçada pela trilha sonora, que mescla Vivaldi com The Cure, New Order, Bow Wow Wow e The Strokes. Assim como a infame aparição de um tênis All Star num canto da tela, as canções New Wave e Post-Punk são peças fora do tempo em que se passa o filme, da mesma forma que Maria Antonieta é uma personagem anacrônica, uma mulher que parece não pertencer àquela época. Ela não se preocupa em ser rainha; ela se preocupa apenas em ser ela mesma. É provavelmente a primeira individualista (na acepção original do termo) da História.
De todos no reino, a Maria Antonieta de Sofia Coppola é a única que consegue ver tudo de fora. Outsider, ela compartilha com o público a visão de que tudo aquilo é um grande circo. A diretora dá uma prova de seu brilhantismo neste primeiro ato, fazendo com que Kirsten Dunst seja a única “figura móvel” em cena. Enquanto todos ao seu redor parecem ser apenas personagens ilustrativos em um quadro antigo, Maria Antonieta é aquela que gira a cabeça para os lados e observa os outros com um sorriso de quem desdenha, sem esconder o olhar de tédio.
Mas ela se afasta do público logo em seguida quando mergulha nas regalias que a cercam, vivendo de festas, doces, bebidas, jogos e tardes ao léu em seu palacete particular. Nesse momento em que o filme parece parar, quase adormecendo junto com a protagonista na grama de seu jardim, Sofia Coppola está agindo. Com sua direção silenciosa, ela pára a narrativa, faz cenas em que nada acontece. É como se ela se isolasse junto com Maria Antonieta, numa entrega total do filme à personagem.
Coppola acredita no espectador e desafia a linguagem. As passagens de tempo não seguem um padrão (os nove meses de uma gestação passam em um corte), pinturas são utilizadas para contextualizar eventos, música em playback parece tocar como música ambiente, os cenários são tão carregados de detalhes que chegam a ter informação em excesso. E os anos passam, mas Maria Antonieta e Luís XVI não envelhecem. Ambos deixaram Versalhes aos 35 anos, mas no filme continuam aparentando ter a mesma idade com que chegaram lá – como se a diretora quisesse salientar que eles nunca deixaram de ser crianças brincando de poder.
O filme volta a “andar” quando a crise se torna insustentável e a revolução estoura. Junto com Luís XVI, com quem divide uma cumplicidade sobre tudo que os levou até ali, Maria Antonieta assume a culpa por ter sido ela mesma quando todos se contentavam em interpretar papéis sociais. Sofia Coppola não se compadece totalmente da rainha ou tenta transformá-la em uma heroína. Ela deixa claro que Maria Antonieta foi egoísta por não se interessar pela política e preferir se dedicar quase que exclusivamente ao consumismo de futilidades. Porém, é bem possível que ela sequer soubesse a dimensão de seus gastos, já que não tinha entendimento sobre a economia do país. O papel da mulher ali é apenas o de dar cria e jamais a vemos ser incentivada a ter outras aspirações. Maria Antonieta se torna não mais que uma peça de decoração do palácio. A única pessoa que aconselha sobre suas obrigações enquanto rainha é o emissário/espião de sua mãe (vivido por Steve Coogan). No mais, ela é apenas o fruto que Versalhes cultivou.
Sofia Coppola, que escreveu o roteiro com base no livro de Antonia Fraser, se junta à corrente que busca valorizar a imagem de Maria Antonieta, mostrando que ela e Luís XVI não foram os culpados absolutos pela situação que levou à revolução, já que, pela inexperiência, ambos acabaram sendo usados para servir aos interesses de outros. Maria Antonieta era jovem e quis viver como jovem. Quis dançar e se apaixonar, e o fez. Cercaram-na de pomposidades e ela quis aproveitar tudo o que podia. É o que a personagem deixa implícito logo nos créditos de abertura – deitada numa poltrona, cercada por tortas de morango, ela lambe as pontas dos dedos enquanto uma criada ajeita os enfeites em seus sapatos. Então, fita a platéia, como se dissesse: “O que vocês esperavam que eu fizesse?”
nota: 9/10 -- veja no cinema e compre o dvd
Maria Antonieta (Marie Antoinette, 2006, Japão, França, EUA), dir.: Sofia Coppola – em cartaz nos cinemas
4 comentários:
Renato, tudo aquilo que você descreve como qualidade eu enxergaria como defeito. Excetuando os figurinos, o filme é péssimo.
Já disse isso em outros blogs e repito aqui: Sofia Coppola, para mim, só herdou o sobrenome do pai. Não vejo nada nos filmes dela de realmente relevante.
(http://claque-te.blogspot.com): A Pele,de Steve Shainberg.
Babei no seu texto, viu? E concordo com tudo que disse dessa vez :p :*
eu concordo com tudo !!!!
e a primeira cena (nos créditos) define totalmente o longa mesmo !!!
belíssimo.
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