Quem é o “Espetacular Homem-Aranha”?

por
  • RENATO SILVEIRA em
  • 08 agosto 2012



  • Em certo momento de “O Espetacular Homem-Aranha”, uma professora de Peter Parker diz à classe que discorda de um colega que afirma que só existem dez modelos de enredo em toda a ficção. Para ela, existe apenas um, na verdade, uma única questão: “quem sou eu?”

    O conflito de identidade está presente não apenas na maioria absoluta dos super-heróis, mas das pessoas comuns. A identidade é o que nos define na sociedade. Neste novo filme do Homem-Aranha, Peter Parker potencializa as características de sua personalidade ao se vestir como o herói. Já o Peter Parker de dez anos atrás não apenas se veste como o Homem-Aranha: ele se transforma no super-herói, se torna outra pessoa. Não é à toa que a Mary Jane é apaixonada pelo Homem-Aranha, e não pelo Peter. Existem, nesse “velho” Peter, um conflito de identidade e um conceito de personagem mais amplos – justamente os pontos que pautam “Homem-Aranha 2”, o melhor filme da franquia e um dos melhores do “gênero” super-herói.

    Este recente filme é muito o reflexo dessa condição do novo Peter: ele não se transforma em algo diferente. O filme é um mero disfarce para um cinema que perdeu a vontade e a coragem de imaginar. A própria necessidade de mostrar mais a cara de Parker revela o quanto a fantasia (no sentido de narrativa fantástica e também no de vestimenta do herói) está sendo deixada de lado. Não me espantarei se, no próximo filme, Peter sequer vestir o uniforme para balançar pela cidade.

    E afinal: qual é a necessidade de recontar a história do Homem-Aranha no cinema? Afinal de contas, apenas dez anos separam este filme do primeiro protagonizado por Tobey Maguire. Mudaram os atores, o diretor, o figurino, o vilão e a tecnologia, mas ainda assim estamos diante de um filme que não justifica o recomeço das aventuras do Cabeça de Teia. É diferente, por exemplo, dos novos filmes do Batman, que foram feitos com o propósito de recuperar a imagem do personagem, após o fracasso de “Batman & Robin” em 1997 – o fim de uma era para os filmes de super-heróis, que ressurgiram com “X-Men” no ano 2000.

    Só que o primeiro “Homem-Aranha” não seguiu a tendência pseudo-realista e sombria ditada pelos mutantes e que acabaria por influenciar a maioria das adaptações de histórias em quadrinhos dali em diante, até chegar ao seu máximo, completando o círculo, curiosamente, com “Batman Begins”. O “Homem-Aranha” dirigido por Sam Raimi e estrelado por Tobey Maguire, Kirsten Dunst, James Franco e Willem Dafoe possui algo mais fantasioso, é um filme mais cômico e colorido – coisa que mais tarde seria eclipsada (embora não totalmente) na terceira e última aventura, onde o lado sombrio, enfim, venceu.

    A necessidade de refazer o “Homem-Aranha” tem um lado comercial inegável e que provavelmente supera qualquer intenção artística dos realizadores do novo filme. Sem Raimi, Maguire e Dunst, que não toparam fazer um quarto longa, a Sony precisou recomeçar a franquia do zero para não correr o risco de ver os preciosos direitos do personagem voltarem para a Marvel (hoje um estúdio plenamente funcional, e não mais apenas dona de propriedade intelectual). Uma vez tomada essa decisão, não deu outra: seguiu-se a tendência de colocar os pés no chão, tornar as coisas mais críveis, mais “reais”, mais próximas do estilo “dark” com o qual o público (em especial, o adolescente) foi sistematicamente acostumado nos últimos dez anos.

    E o resultado, pelo menos para quem não compra essa ideia de que é preciso ser sombrio para ser profundo, é um filme aborrecido e repetitivo.

    Andrew Garfield faz um Peter Parker mais jovem e mais atrevido (e por isso mesmo arrogante e mal educado) que tem muito mais tempo de tela do que o próprio Homem-Aranha. Como dito anteriormente, sob a máscara ele potencializa essas características e o “amigo da vizinhança” é mais piadista e irônico do que o Homem-Aranha de Raimi e Maguire – características essas que, acredito eu, estão mais próximas do herói dos quadrinhos, pelo menos segundo o pouco que conheço do material de origem. Nesse sentido, também estão lá os lançadores de teia mecânicos, para a alegria dos fãs que torceram o nariz para a versão orgânica (e mais funcional) anterior. E a namorada de Peter agora é a Gwen Stacy (Emma Stone), a primeira mesmo, igual na HQ, e não a Mary Jane, a mais popular.

    Em suma, os realizadores fizeram o que puderam para recomeçarem mais próximos do material original (ao menos nesses pormenores dedicados aos fãs), o que não passa de uma desculpa para dizerem que o que está na tela é novidade. Não é. O marketing chegou a anunciar que o filme traz a “história que não foi contada”, o que envolve uma injustificável subtrama, bandidamente não desenvolvida, sobre a origem e o destino dos pais de Peter (“Temos que deixar em aberto para o segundo filme!”, provavelmente disseram os produtores). Nem o vilão é tão novo assim: depois de três filmes sem que Dylan Baker pudesse se transformar no Lagarto, Rhys Ifans assume o papel do Dr. Curt Connors e se converte num inimigo pouco icônico, ainda que mais feroz. Mas o conflito de personalidade remete inegavelmente ao Duende Verde, ainda que o Lagarto tenha uma dubiedade que o humaniza, diferente do Norman Osborn do primeiro filme, que finge ser bonzinho quando lhe convém.

    Pouco falei sobre a direção de Marc Webb porque, no fim das contas, sua visão é o que parece menos ter importado quando os produtores o contrataram. Diferente de Sam Raimi, que é um diretor que tem um estilo próprio, que é um autor visual, Webb não é uma má escolha, mas a escolha ideal para os propósitos do estúdio (que é o verdadeiro dono do filme, não sejamos ingênuos, caso contrário Raimi poderia ter feito filmes ainda melhores quando estava no comando da série). “(500) Dias Com Ela”, o filme de estreia de Webb, é um adorável anti-romance, onde o diretor mostra que sabe aproximar os personagens do público. E é isso que ele faz na maior parte do tempo em “O Espetacular Homem-Aranha”, já que demonstra desconforto ao filmar sequências de ação (com um ou outro momento digno de nota, como a luta na escola) e total despreparo na utilização do 3D (que é real, mas tem cara de convertido).

    Sem mostrar qualquer coisa que seja que justifique o adjetivo “espetacular” do título, este novo “Homem-Aranha” é reflexo genuíno de uma geração, o que pode ser encarado como um fator positivo. Mas, infelizmente, o filme ser esse reflexo também é o que pode afastá-lo das gerações precedentes.

    1 comentários:

    Anônimo disse...

    Fica difícil procurar por motivos artísticos de se recriar uma nova série de filmes para este herói quando o que impera em grandes organizações é um produto tão caro ao público que consegue levar diferentes faixas etárias ao cinema e às bancas. A tentativa de mostrar uma parte da história de Peter Parker que nem ao menos nos quadrinhos teve uma resolução apropriada pode ser vista como um reflexo destes novos tempos de franquias multimilionárias: não há mais espaço para um filme ter uma história fechada que possa ou não levar a uma sequência ou uma série de filmes. Tome, por exemplo, a série Matrix: por mais que existam pontas abertas, a história do filme é fechada e, se terminasse ali, após a cena em que Neo sai voando pelos céus, quem sabe se a imagem desta franquia não ficasse tão arranhada após suas duas sequências. Tenho meus problemas com este novo filme do Homem-Aranha, da escolha dos personagens ao ritmo irregular, contudo sou entusiasta de cinema e de quadrinhos, contanto que sejam bem feitos e que tragam certa relevância para ambas as mídias.

     
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