Tropa de Elite 2 - O Inimigo Agora é Outro

por
  • RENATO SILVEIRA em
  • 27 outubro 2010



  • Logo de cara, "Tropa de Elite 2" causa impacto quando reassume a narração em off que marcou o primeiro filme, com o ex-capitão do BOPE, agora Coronel, Nascimento (papel de Wagner Moura) externando sua ira contra o ativista social Fraga (interpretado por Irandhir Santos). Segundo o próprio policial, Fraga já o chamou de fascista.

    "Fascista" é justamente o termo utilizado por parte considerável da crítica que não aprovou o primeiro "Tropa de Elite", acusando o filme de José Padilha de promover a noção de que só a violência policial e a execução de criminosos pode "limpar" o Rio de Janeiro. Portanto, nesta continuação, Padilha e seu co-roteirista Bráulio Mantovani encaram frontalmente seus detratores. Na verdade, eles fazem mais: têm a inteligência e a hombridade de personificar as críticas que receberam em um personagem central: Fraga, "o cara dos direitos humanos", cuja relação com Nascimento se revela vital para os propósitos do filme.

    O que se entende por este "Tropa de Elite 2" é que o filme original foi de fato a primeira parte de uma elaborada teoria sobre um dos principais problemas enfrentados pela sociedade brasileira, aquele que provoca revolta sempre que surge nos noticiários (e que, infelizmente, a recente campanha eleitoral tem banalizado): a corrupção. O inimigo agora pode ser outro, mas seu objetivo é o mesmo dos algozes do longa original.

    Fica melhor se colocarmos assim: "Tropa de Elite 2" é uma evolução de "Tropa de Elite 1". Os traficantes cedem de vez lugar aos tiras corruptos e esses desenvolvem relações mais ambiciosas para subir na pirâmide do poder. Nas palavras de Nascimento, ele descobre que o "sistema" é bem maior e o buraco, mais embaixo. A "limpeza" que ele queria promover no Rio, torna-se nacional por extensão.

    É essa descoberta, ou revelação, como queiram, que sustenta o discurso de Padilha e Mantovani aqui. É também de onde advém a reação catártica de grande parte da plateia ao ver Nascimento descer o sarrafo no novo inimigo - tal como aconteceu no primeiro filme. O inimigo é outro, mas o que a sociedade, de forma geral, quer é a mesma coisa: punição. E aí não é difícil imaginar que, depois de traficantes, policiais e políticos corruptos, o alvo de um eventual "Tropa de Elite 3" será o Judiciário brasileiro. Afinal, a impunidade também é um tema recorrente no nosso dia-a-dia. A carapuça serviria muito bem em certos banqueiros e candidatos fichas-sujas.

    Há muito o que se elogiar na parte técnica do filme também: a direção de Padilha segue uma estética apurada junto à plástica do cinema comercial, e a colaboração do montador Daniel Rezende (que também trabalhou no filme original e foi indicado ao Oscar por "Cidade de Deus") vai além desta vez, já que ele recebe ainda o crédito de diretor de segunda unidade - um prenúncio, talvez, de que em breve irá se tornar diretor de um longa. Destaca-se também a engenharia do roteiro, que promove reviravoltas nos relacionamentos interpessoais dos personagens, e ainda aposta na diegese criada para o primeiro filme (isto é, retoma os bordões, as peculiaridades dos personagens reincidentes, as técnicas do BOPE, como o saco de tortura, etc.), algo que sempre é bacana.

    Dado o estrondo multimilionário nas bilheterias dos cinemas, "Tropa de Elite 2" pode ser considerado mais do que um blockbuster brasileiro. José Padilha está criando uma franquia de sucesso. Fazendo uma comparação com o cinema de outros países, pode-se dizer que os dois filmes já equivalem à trilogia "Conflitos Internos", de Andrew Lau e Alan Mak, ou a "Eleição - Submundo do Poder" e sua sequência, de Johnnie To. E, sendo um pouco mais grandiloquente, não é exagero dizer que "Tropa de Elite" caminha para se tornar o nosso "O Poderoso Chefão".

    Tropa de Elite 2 - O Inimigo Agora é Outro (2010, Brasil)
    direção: José Padilha; roteiro: José Padilha, Bráulio Mantovani; fotografia: Lula Carvalho; montagem: Daniel Rezende; música: Pedro Bromfman; produção: José Padilha, Marcos Prado; com: Wagner Moura, Irandhir Santos, André Ramiro, Pedro Van Held, Maria Ribeiro, Sandro Rocha, Milhem Cortaz, Tainá Müller, Seu Jorge, André Mattos, Fabrício Boliveira, Emílio Orcillo Netto, Jovem Cerebral, Bruno D´Elia; estúdio: Zazen Produções; distribuição: Zazen Produções. 116 min

    6 comentários:

    Indy-Joe disse...

    Otima critica. Gostei muito do filme, possivelmente mais do que o primeiro. Talvez por causa do hype exagerado na época do primeiro onde todo mundo já falava de várias cenas do filmes antes de eu assistir.

    Filme nacional de alto nivel. Pra mim está junto com Cidade de Deus como obras nacionais que estão no mesmo nivel de filmaços americanos/mundiais.

    Anônimo disse...

    Também achei excelente a crítica, e o filme é sim muito bom. Eu vejo a construção de uma linguagem mais nacional nele, ainda que com retoques e trejeitos norte-americanos. Espero que não se torne uma franquia, pois o tema já foi explorado ao máximo nos doi sfilmes

    Tem uma discussão legal sobre questões sócio-filosóficas do filme neste link (olhar os comentários): http://admcritica.wordpress.com/2010/10/25/sobre-tropa-de-elite-2/

    :P

    Abraços

    Silvia disse...

    Ei, Renato!

    Esse filme tem me incomodado muito. Quanto mais ele faz sucesso, mais incomodada eu fico:
    1) Padilha criou um universo diegético tão colado a nossa realidade que as pessoas estão confundindo o filme com a nossa situação real. Fico me perguntando por quê? Acho a opção pelo documentário dele em "Onibus 174" muito mais corajosa.

    A opção de narrar tudo pelo ponto de vista de Nascimento é cômoda. Tanto o uso do formato da ficção quanto do narrador me parecem barreiras para ele se proteger. Como se ele quisesse falar de uma situação real do nosso país que o indigna, mas que não quisessem se comprometer diretamente. Então, ele pode se defender dizendo: mas avisei no começo do filme que é ficção! Mas não é minha visão é a visão do Nascimento, não é a toa que ele é o narrador! Ao descabar para ficção, ele pode também exagerar ou hiperinflar o quanto ele quer a situação, pois é ficção! Mas será que todos que vão ver o filme se atentam para isso???

    2) A opção estética por narração ágil em termo de montagem, com um uso da trilha de forma a imprimir ritmo as imagens... algo bem comercial que tem grande apelo público... Um filme de ação na qual ele vai mexe com um desejo secreto de certa parte dos brasileiros de punição... Pior de tudo é que entre esses podem estar aqueles que votaram no Tiririca que são as pessoas que acabam contribuindo para que nossa estrutura governamental seja como é... Mas no filme parece que o problema é esse tal de "sistema". Que preguiça dessa entidade, sem rosto, sem endereço, cpf! Quando a raiz da coisa está no nosso desleixo político. Acredito que cada povo tem o governo que merece.


    Acho que tem gente que nem pensa que retrato mais desolador, pessimista está sendo pintado pelo filme do Brasil. Se nós brasileiros, estamos confundindo a realidade com ficção, imagina o povo lá fora. Então quanto mais o filme faz sucesso lá fora, mais me preocupa a imagem que ele está levando da gente... O que quem vê esse filme pensa sobre a política no Brasil?

    Enfim, aquilo ali é a visão particular do Padilha. Eu não compro! Nosso país não é uma maravilha, o que ele diz tem um fundo de verdade, mas que retrato mais deformado! Se fosse um documentário não me incomodaria tanto...

    Bomn.. desabafei!
    Bjs
    Silvia

    Luís Fontes disse...

    Excelente crítica Renato, parabéns!

    RENATO SILVEIRA disse...

    Luís, admcritica (seu nome?), Indy-Joe, obrigado a todos. :)

    Silvia, eu acho que tudo isso que você disse cabe muito bem no "Tropa 1". Eu até faço essa pergunta no texto que escrevi na época: será que o público brasileiro está preparado para discutir as questões que o filme levanta? Será que o sucesso dele não é perigoso porque a plateia não tem o costume de debater cinema?

    Eu compartilho do seu desabafo até certo ponto. Acho que o Padilha, com o "Tropa 2", assume realmente que seu universo é ficção. É colada na realidade, OK, mas pela própria linguagem e o estilo que ele efetivamente assume, que são próprios do cinema comercial, penso que ele cria a distância necessária para que essa confusão de realidade com ficção se disperse.

    Outra coisa: eu me pergunto se nós não estamos sendo ingênuos ao pensar nessa confusão. Será que após tantos anos de filmes de ação e filmes policiais de Hollywood, o nosso público já não tem discernimento suficiente para separar as coisas? Eu, sinceramente, não sei a resposta.

    Agora, em relação a botar a culpa no sistema, achei também que faltou ao Padilha tocar direta e objetivamente nisso: que o sistema, no fim, somos nós quem criamos ao colocarmos esses políticos lá. Fica apenas subentendido que ele quer dizer isso nos planos finais do filme. Aí acho que a ingenuidade já é dele, por talvez ter pensado que falou o suficiente para o público entender a mensagem.

    []s!

    Rafael disse...

    Bom... eu fui um que saiu do cinema desolado, querendo ir embora do país. Ok, é ficção, ok é a visão do nascimento. Mas mesmo assim, o policial corrupto é a cara do Batman (que era um policial que comandava milicias no rio), o cara tem um filho baleado por um policial (assumo que seja um policial da milicia, mas enfim) vc ve a policia subindo o morro e tendo tiroteio ao ar livre no meio de civis. Uma repórter que investigava o crime é morta por bandidos. Tudo no filme soa como coisas que realmente podem acontecer ao remeter à fatos que aconteceram no Rio. E chegar no final do filme e ver que não tem solução é desolador demais.

     
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