Avatar

por
  • RENATO SILVEIRA em
  • 19 dezembro 2009



  • “Avatar” marca um curioso e estranho encontro. É a vanguarda da tecnologia oposta ao lugar-comum de um modelo narrativo que há décadas e décadas é ruminado por filmes de ficção-científica e fantasia. Se você espera por uma história empolgante e surpreendente, esqueça. Tudo parece não passar de um pretexto para nos apresentar a uma nova forma de fazer e ver cinema. É quase como estarmos diante do experimento vencedor de uma feira de ciências.

    Cameron tem um coração bom, disso não há dúvida. Ele faz um filme com uma mensagem ecológica, com os pés fincados em questões ambientais que são discutidas hoje. Este não é o problema de “Avatar”, mas, sim, o tempo que Cameron gasta se arrastando sobre clichês que enxergamos de longe. Você sabe exatamente o que virá em seguida, seja na história de amor embutida na trama de guerra, seja no resultado desse combate entre homens e aliens no exótico planeta Pandora - que nós, claro, estamos colonizando. É uma história pronta, encomendada, para não dizer preguiçosa. Perceba que Cameron nem perde muito tempo explicando porque o homem foi até aquele planeta ou o que aconteceu com o nosso. Além de isso ser óbvio, não interessa a Cameron. E isso talvez seja um ato nobre por parte do cineasta.

    Tal como Robert Zemeckis em "O Expresso Polar", "A Lenda de Beowulf" e "Os Fantasmas de Scrooge", Cameron deixa o texto na forma mais simples possível e se concentra no desenvolvimento da tecnologia 3-D digital, da qual ele é um dos precursores. E se você pretende assistir a “Avatar” não pense duas vezes e compre o ingresso para a sala 3-D. É esta versão do filme que deve ser vista pela importância que carrega na evolução da linguagem.

    O trabalho de Cameron difere de tudo que já foi feito no formato até agora. A forma como ele pensou o uso do efeito tridimensional em todo o filme, na composição de cada cena, nos fornece uma nova perspectiva. Ele quer que você veja o filme de modo a quase senti-lo. Não é só um rosto que ele enquadra: é o tamanho do nariz do ator, o relevo de suas bochechas, a altura dos pêlos de sua barba. Ele quer dar ao público informações físicas que até então não eram percebidas num filme convencional. O mesmo serve para a relação espacial entre uma pessoa e os elementos que a cercam: aqui, você tem uma percepção diferente do tamanho de uma mesa, por exemplo, e até da altura de um ator em relação a outro. Cameron não mais está interessado apenas no espaço entre primeiro e segundo plano, mas também na distância entre pupila, íris e córnea. Cameron renova o olhar do espectador para noções de profundidade de campo e de proporção. Seu 3-D é a revolução da ilusão de ótica. Muda nossa percepção até do próprio aspecto da imagem, que não tem granulação e parece correr numa velocidade ligeiramente superior aos habituais 24 quadros por segundo. É como ver algo pela primeira vez e sentir toda aquela estranheza.

    “Avatar” pode não convencer pela história sci-fi natureba, mas é uma inestimável contribuição tecnológica para a indústria e que traz novos e promissores contornos para a arte. Citei Zemeckis anteriormente e Cameron pode estar seguindo a mesma trajetória de fazer filmes não tão empolgantes do ponto de vista narrativo, mas essenciais para que o cinema dê o passo adiante. No entanto, Cameron já começa na frente de Zemeckis em termos técnicos e de qualidade de direção mesmo. Ainda assim, "Avatar" é um começo e vamos ter que ser pacientes até vir o primeiro filme 3-D nessa forma realmente bom.

    Mas e se você não puder assistir a "Avatar" em uma sala 3-D? Não se preocupe: mesmo o filme não sendo perfeito, há vários aspectos a se aproveitar. A direção de arte e a fotografia são fabulosas, de encher os olhos de verdade. A animação digital, produzida em conjunto pelas gigantes do setor, Weta e Industrial Light & Magic, é de um refinamento minimalista incrível. E apesar de algumas establishing shots desnecessárias, a direção de Cameron continua consistente, com cenas de ação filmadas com calma, bem old school mesmo. Ele poderia ter só investido um pouco mais na câmera subjetiva, pois em pelo menos dois momentos (uma queda de cachoeira e a "aula de vôo" do protagonista) você praticamente sente necessidade dela. E mesmo pelo pouco que é usado, percebemos o quanto o plano em primeira pessoa funciona para a sensação de imersão do espectador. Se em 2-D funciona, imagine em 3-D.

    Em relação à mitologia, Cameron pode não ter construído algo à altura de "O Exterminador do Futuro" ou "O Segredo do Abismo", mas ainda assim criou um universo particular rico em detalhes e informações. O filme fala um "nerdês" fluente, com o ponto alto sendo a ideia de as criaturas do planeta Pandora estarem interligadas à natureza, formando uma rede, como se tudo fosse um só circuito eletrônico (o que explica a vegetação e os seres daquele mundo terem a luz como característica comum). E por falar em criaturas, fica claro, para quem viu os documentários que Cameron fez no fundo do oceano depois de "Titanic", de onde o cineasta tirou inspiração para o excêntrico design dos bichos que povoam Pandora.

    Tire o 3-D, tire os clichês, e "Avatar" ainda guarda um aspecto interpretativo, exposto no próprio título. Existem várias camadas e tipos de avatares no filme: os Na'vi criados em laboratório, claro, mas também as armaduras mecanizadas que os soldados usam em combate, funcionando como os animais que se conectam com os Na'vi - e estes, como já dito, estão conectados com o planeta. Parece haver um tipo de hierarquia de avatares, e estes nada mais são do que extensões do corpo nativo. É de onde pode-se deduzir o tema que Cameron trabalha aqui, e que é bem diferente do que vimos em "Substitutos" ou "Gamer" este ano: nós somos avatares do meio em que vivemos, somos uma extensão dele. Destruí-lo significa autodestruição. Sci-fi natureba. Mas diabos: é preciso ter talento para bolar algo assim.

    nota: 7/10 -- veja no cinema em 3-D

    Avatar (2009, EUA/Reino Unido)
    direção: James Cameron; roteiro: James Cameron; fotografia: Mauro Fiore; montagem: James Cameron, John Refoua, Stephen E. Rivkin; música: James Horner; produção: James Cameron, Jon Landau; com: Sam Worthington, Zoe Saldana, Sigourney Weaver, Stephen Lang, Michelle Rodriguez, Giovanni Ribisi, Joel Moore, CCH Pounder, Wes Studi, Laz Alonso, Dileep Rao, Matt Gerald, Sean Anthony Moran; estúdio: Twentieth Century-Fox Film, Dune Entertainment, Giant Studios, Ingenious Film Partners, Lightstorm Entertainment; distribuição: 20th Century Fox. 162 min

    18 comentários:

    Mainardi disse...

    Te juro que vou até a Capital do meu estado para assistir esse filme em 3D.
    Apenas lá tem cinemas com essa tecnologia. Fica a 400km, mas lá de vez em quando a gente pode cometer umas besteiras.
    Faltava um empurãozinho; que o teu texto deu.
    Ora bolas, ainda não assisti nenhum filme em 3D, que a primeira vez seja com categoria!

    Caio. disse...

    mas será mesmo que Avatar é um filme nota 7 ? , em Titanic o James Cameron escreveu uma historia extremamente piegas e mesmo assim conseguiu fazer um filme envolvente e emocionante... quem sabe ele tenha alcançado esse feito de novo.

    Tiago Lipka disse...

    Na sua coluna "Mera Coincidência" eu ia sugerir de vc colocar os cartazes do Avatar e do O Curioso Caso de Benjamin Button =)

    Unknown disse...

    A propósito de "Avatar", para que serve um crítico de cinema?
    http://ohomemquesabiademasiado.blogspot.com/2009/12/para-que-serve-um-critico-de-cinema.html

    O Cara da Locadora disse...

    A história realmente é secundária para o deleite visual que o filme traz... Mas não a achei tão ruim...

    Francisco de Oliveira disse...

    Assisti a Avatar hoje. Decepção. James Cameron desenvolveu tanto a tecnologia, mas deixou o roteiro mofar. E, seu ego sempre inflando a duração do filme. Porque, apesar de ser brilhante em termos técnicos, como Titanic, o filme sofre com clichês dos mais chatos, o que o deixa quase interminavelmente insuportável. Entretanto, realmente, Cameron é um bom diretor e o filme é lindo de se ver, mas é como ver novela em HD: babe pelas imagens e não preste atenção na história.
    A média é uma nota justíssima. Eu também já tinha decidido 3 estrelas em meu caderninho. :) Parabéns por não se deixar deslumbrar.
    Abraço.

    Heliezer Soares disse...

    Eu gostei muito da sua critica. Nota 7 é muito para esse filme. Tal obra é um verdadeiro deleite visual, mas não tem uma história muito interessante.

    Muitas pessoas se esquecem que cinema é um conjunto todo, devem ser avaliados vários aspectos.

    Comecei a ler hoje suas criticas e estou gostando bastante.

    Heliezer Soares disse...

    Errata: digitei muito rápido (como sempre faço). No começo faltou a palavra "justo", ou seja, o correto seria "Nota 7 é muito justo para esse filme".

    RENATO SILVEIRA disse...

    Obrigado, Francisco e Heliezer. Espero que acompanhem o site e postem novos comentários futuramente.

    []s.

    Anônimo disse...

    Putz, até hoje ñ conseguir assistir AVATAR 3D (só me interesso pela versão em 3D).
    Já fui as salas de cinema 5 vzs e chegando lá não há mais ingressos para a versão 3D.
    Embora não bote muita fé na capacidade de imersão dessa versão do 3D, gostaria de checar. Já vi filme em 3D, mas há muito tempo, quando adolescente, ainda com os oculos de plastico vermelho e azul (acho q são essas as cores, mesmo), e sinceramente já não me recordo mais da sensação.
    Já não sou mais muito fã de salas de cinema mesmo, por n motivos, por isso somente esse advento do novo 3D para me fazer por óleo nas juntas oxidadas e sair de casa.
    Não gosto de comprar antecipado, pois vc acaba ficando comprometido e vai que pinta um imprevisto... mas vou acabar reservando com antecendencia, antes que saia de cartaz e eu só possa ver em 2D.

    xlucas
    http://womni.blogspot.com

    RENATO SILVEIRA disse...

    Vai por mim, xlucas. Se o último filme 3-D que você viu foi com óculos de papel, você vai se surpreender com esse que é usado hoje. Vai por mim.

    []s!

    Indy-Joe disse...

    Assisti o filme nesse fim de semana e gostei bastante do filme. Nota 8

    Continuo achando que o 3d deixa a imagem desfocada ou meio borrada em algumas cenas (principalmente as cenas com atores reais). Não tive a sensação de que o 3D fosse revolucionário, e acho que teria gostado o mesmo tanto se fosse no tradicional 2D.

    A história do filme é realmente simplista e batida. Mas isso pode ser dito sobre a maioria dos filmes. Mas pra mim a maior parte da graça de qualquer filme é o seu desenvolvimento. Sua narrativa. E nesse quesito o filme é realmente envolvente. A riqueza do roteiro está na criação de todo um universo, com sua flora, seus habitantes, cultura, etc. Sempre adorei sci-fi e fantasia por causa disso. Acho que muitos não dão o merecido valor a essa parte do roteiro do filme. O Pablo chegou a tocar em parte em isso, ao dizer que é uma grande conquista fazer o telespectador se importar com aqueles personagens e a preservação daquela natureza.

    Fora isso, os personagens são bem trabalhados, com boas atuações até com as puramente digitais.

    Como disse, nota 8.

    Anônimo disse...

    Valeu, Renato... vou checar sim... se os adolescentes em ferias permitirem, né!?

    xlucas
    http://womni.blogspot.com

    ed goularth disse...

    Se vcs querem um filme que privilegie o roteiro por que não vr lars von trier?

    ed goularth disse...

    O gozo do observador que com poucas palavras procura destruir no imaginário das pessoas o trabalho de outrem. Avatar não é nouvelle vague. Creio que para criticar tem-se que inserir num contexto e o contexto de avatar é esse: visual. Não é o melhor filme do mundo mas é um orgasmo visual. Sr. Observador

    William disse...

    Renato, finalmente assisti AVATAR 3D, e vc tinha razão, a sensação de 3D (volume, profundidade) é muito boa. Gostei, pretendo até assistir mais filmes em 3D (depois de um tempo fica comum e a gente perde o deslumbramento). E olha q o filme nem abusa tanto do efeito 3D, mas quando usa é muito legal. Os trailers anteriores ao filme, até utilizam mais o 3D.
    O filme em si embora traga uma historia previsivel, maniqueista e alguns personagens estereotipados, vale a pena ser assistido.

    Agora minha reclamação habitual (que ja deve ta te torrando o saco :( ). Desculpe mais uma vez voltar a esse assunto; mas o que aconteceu com o publico no Brasil (ou seria no mundo?)? PQP! pessoal passa na sua frente toda hora (não consigo entender, vc se levantar em plena projeção, para comprar comida), acende celular, não para de falar, fica todo aberto na cadeira invadindo seu espaço. E cara, quem foi o fdp, que inventou essa historia de comer 10 quilos de pipoca com mais 10 litros de refrigerante??? Putz cinema já é uma atividade sedentaria, e a pessoa ainda empurra guela adentro mais "trocentas " calorias.... putz. E o cara do meu lado que pos o seu balde de refri bem no descanso de braço e com isso eu que ficasse sem apoio pro meu braço, fodas meu, né... afff... cada dia suporto menos ir em ambientes publicos, exatamente por causa do publico...

    Desculpe o desabafo...

    xlucas
    http://womni.blogspot.com

    Gilberto Dotti CEsa disse...

    "EXPERIMENTO VENCEDOR DE UMA FEIRA DE CIENCIAS" ... é a melhor definição que já li para AVATAR.

    timewillcome disse...

    Chato.
    Cansativo.

    A unica coisa que eu vi se salvando, alem da inserçao do 3D com tamanha competencia, foi a critica "sutil".
    Eles invadem destroem e matam por "combustivel", algo semelhante ao ataque americano de anos atras no oriente medio? No filme, isso soa "errado".
    Mas as coisas boas param por aí.

    Se alguem conseguir me convencer do "talento" do Cameron, assisto esse filme 3 vezes seguidas com versao estendida.

     
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