Substitutos

por
  • RENATO SILVEIRA em
  • 09 novembro 2009


  • A premissa de “Substitutos” não é nada original, mas é boa demais para ser usada de forma tão descuidada. Num futuro em que robôs podem ser usados como identidades alternativas pelas pessoas, Bruce Willis interpreta um detetive que investiga o motivo por trás das mortes de usuários dessa tecnologia teoricamente segura. Afinal, a pessoa fica em casa, numa confortável poltrona, conecta-se ao seu substituto e vai ver e experienciar o mundo. Se ela for vítima de um acidente de trânsito, por exemplo, ou for violentada, quem se fere é o robô. Para os soldados, é perfeito. Outra suposta vantagem é que enquanto a pessoa que está em casa já tem idade avançada e está fora de forma, seu substituto é jovem e esbelto. No caso de Willis, até mesmo a calvície é um pormenor resolvido (embora o mau gosto pelo penteado provavelmente tenha saído de uma conversa com Nicolas Cage).

    Remontando a filmes como “Blade Runner – O Caçador de Andróides”, “Matrix”, “Eu, Robô” (que, além de tudo, tem James Cromwell praticamente no mesmo papel) e “A.I. – Inteligência Artificial”, naquilo que nos apresenta a um mundo dominado por máquinas, “Substitutos” ainda antecipa “Avatar”, de James Cameron, por pegar também a ideia do controle do ser humano sobre todas as coisas, inclusive a forma como ele se apresenta à sociedade. E é curioso notar que o diretor é Jonathan Mostow, que assumiu no lugar do mesmo Cameron as rédeas de “O Exterminador do Futuro 3 – A Rebelião das Máquinas” – e não é à toa que alguns momentos remetam à “Exterminador”.

    Semelhanças e referências deixadas de lado, é frustrante ver tantas boas ideias serem desperdiçadas na tela. O próprio tema da chamada “ditadura da beleza” passa batido, servindo mais como condição sine qua non do que como comentário social. Por que todos só querem rejuvenescer? Um jovem não poderia querer parecer mais experiente, ganhando algumas rugas? E mais: por que 99% dos personagens optam por serem meras versões de si mesmos, quando poderiam ser qualquer coisa (nem precisa ser uma pessoa, poderia ser um pássaro, por exemplo)? Se pelo menos houvesse uma lei que proibisse a mudança radical de aparência, tudo bem. Mas não há sequer a preocupação de estabelecer regras internas para a história.

    São questões que poderiam acrescentar camadas à trama policial clichê que recebe toda a atenção. Até mesmo a ética daquele sistema poderia ser debatida através do programa de vigilância, a la “Minority Report”, mas ele se torna um simples artifício para uma reviravolta besta. Sem falar na piada interna que poderia ter sido feita: colocar os atores coadjuvantes usando substitutos com aparência diferente, mas somente Bruce Willis sendo ele mesmo, por vaidade. Ou então, para usar um pouco de metalinguagem, inserir entre os membros da guerrilha um grupo de ex-dublês que perderam seus empregos em Hollywood para substitutos robotizados dos atores de filmes de ação. O que falta ao filme é mais acidez no humor. Penso que seria bem mais divertido, por exemplo, se Willis assumisse disfarces variados, na forma de outros robôs, durante a investigação.

    Apesar dos percalços criados pelos sempre irregulares roteiristas Michael Ferris e John D. Brancato (que, aliás, trabalharam nos dois últimos “Exterminador do Futuro”), Mostow tem mão boa para dirigir filmes do gênero e novamente demonstra uma predileção por histórias apocalípticas. É uma pena que as deixas não tenham sido aproveitadas, pois a mitologia e os temas tocados poderiam até render uma franquia. Que falta faz um Paul Verhoeven, um John McTiernan, ou o próprio Cameron, não?

    nota: 6/10 -- veja sem pressa

    Substitutos (Surrogates, 2009, EUA)
    direção: Jonathan Mostow; roteiro: Michael Ferris, John D. Brancato; fotografia: Oliver Wood; montagem: Kevin Stitt; música: Richard Marvin; produção: Max Handelman,
    David Hoberman, Todd Lieberman; com: Bruce Willis, Radha Mitchell, Rosamund Pike, Boris Kodjoe, James Francis Ginty, James Cromwell, Ving Rhames, Jack Noseworthy; estúdio: Touchstone Pictures, Mandeville Films, Lanoue Film Arts, Road Rebel, Top Shelf Productions, Wintergreen Productions; distribuição: Walt Disney Pictures. 88 min

    2 comentários:

    Anônimo disse...

    Interessante essa sua observação de que as pessoas poderiam escolher avatares de animais, por exemplo.
    Mas será que o personagem de Willis poderia exercer suas atividades profissionais se viessem como leão, por exemplo? Como dirigiria? como atiraria. O mundo e suas maquinas é feito/adaptado para o ser humano. Bem ele poderia vir como macaco, mas aí iria de encontro ao ideal de beleza que tanto buscamos (beleza é subjetiva, eu sei...).
    Para diversão, seria mais adequado (crianças/adolescentes, creio, adorariam ser os mais diversos bichos :) )
    Enfim essa idéia que vc levantou daria, creio, uma riquissima discussão. No mais achei a premissa do filme otima, mas poderia ser muito melhor aproveitada.
    Esse é o tipo de ficção cientifica que adoro, aquela calcada em algo provavel de sair do campo da ficção. E esse lance de avatares nos representando, já é real e atual. Quantos de nós já não temos personas virtuais nos representando, internet afora.

    Valeu, Renato, por outra ótima analise.

    xlucas
    http://womni.blogspot.com

    RENATO SILVEIRA disse...

    Na verdade, não me referi exatamente ao Bruce Willis quando citei a possibilidade de a pessoa poder ter um animal como substituto. Para o personagem dele realmente seria impossível - ou não, por que ele não poderia ser um mosquito para se infiltrar em algum lugar e pegar uma informação? ;)

    []s.

     
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