A partir de “Cidade de Deus”, a estética adotada em filmes situados nas favelas do Rio de Janeiro passou a ser condenada por parte da crítica, e também por cineastas e pesquisadores, pelo fato de os diretores desses filmes reconstruírem uma realidade tão bruta e próxima de nós usando moldes comerciais, sobretudo com uma visão verticalizada, de classe média-alta sobre a classe baixa. Em resumo, a chamada “cosmética da violência” é considerada responsável por transformar um problema social em sucesso de bilheteria.
Andando pela outra margem do rio, “No Meu Lugar” se afasta de qualquer indício estético que o coloque junto de “Cidade de Deus” e companhia. Dirigido por Eduardo Valente, que estreia no comando de um longa-metragem, o filme segue um estilo bem mais próximo da crueza e do rigor que se observa em cinemas estrangeiros, como o do mexicano Carlos Reygadas ("Luz Silenciosa"), do turco Nuri Bilge Ceylan (do recente “3 Macacos”) ou de Cristian Mungiu ("4 Meses, 3 Semanas, 2 Dias), expoente do novo cinema romeno. Embora personagens de um típico “filme de favela” estejam na tela – como o policial corrupto, o pobre que entra para o crime e a família que se vê vítima dos dois – em nenhum momento eles são retratados sob filtros de cores quentes, em ângulos inusitados ou como protagonistas de cenas de ação. Na verdade, naquela que seria “a” cena de ação de “No Meu Lugar”, Valente mantém a câmera distante e estática, do lado de fora da casa onde ocorre um tiroteio. Segundos depois, uma tela preta cobre tudo, deixando apenas o som de gritos e tiros falarem em nome da imagem omitida.
Não deixa de ser irônico, porém, que esse plano-assinatura também seja aquele que revela o principal problema de “No Meu Lugar”. A não-ação, o plano estático, a composição estudada e mesmo a tela preta se tornaram o lugar-comum do “cinema alternativo”, “cinema de autor” ou qualquer outro rótulo que se queira dar. Por mais que a direção de Valente seja bem acabada e bem pensada, com o mínimo de movimento de câmera, métrica nos enquadramentos e um bom timing para cada plano, tudo o que vemos já foi feito antes (e melhor). É como se Valente, que também é crítico de cinema, estivesse interessado apenas em fazer um exercício de estilo baseado em um tipo de cinema do qual ele gosta muito. Há muito potencial ali, mas que está claramente contido no simulacro da mise-en-scène.
O grande mérito de “No Meu Lugar” acaba sendo o roteiro, que mistura a cronologia em que a história transcorre – o que também não é novidade, mas que funciona muito bem, especialmente nos 20 minutos finais (e aí há de ressaltar o excelente trabalho do montador Quito Ribeiro). Sem falar que todos os personagens recebem o mesmo tratamento de camadas, isto é, são desenvolvidos de forma a não parecerem unidimensionais (eles são acompanhados até pela mesma trilha sonora). Mas, no fim, o que as três tramas querem dizer no momento em que convergem não vai além do que já não temos conhecimento antes de a projeção começar. Não há frescor: é só um “filme de favela” feito como se não fosse “filme de favela”.
Andando pela outra margem do rio, “No Meu Lugar” se afasta de qualquer indício estético que o coloque junto de “Cidade de Deus” e companhia. Dirigido por Eduardo Valente, que estreia no comando de um longa-metragem, o filme segue um estilo bem mais próximo da crueza e do rigor que se observa em cinemas estrangeiros, como o do mexicano Carlos Reygadas ("Luz Silenciosa"), do turco Nuri Bilge Ceylan (do recente “3 Macacos”) ou de Cristian Mungiu ("4 Meses, 3 Semanas, 2 Dias), expoente do novo cinema romeno. Embora personagens de um típico “filme de favela” estejam na tela – como o policial corrupto, o pobre que entra para o crime e a família que se vê vítima dos dois – em nenhum momento eles são retratados sob filtros de cores quentes, em ângulos inusitados ou como protagonistas de cenas de ação. Na verdade, naquela que seria “a” cena de ação de “No Meu Lugar”, Valente mantém a câmera distante e estática, do lado de fora da casa onde ocorre um tiroteio. Segundos depois, uma tela preta cobre tudo, deixando apenas o som de gritos e tiros falarem em nome da imagem omitida.
Não deixa de ser irônico, porém, que esse plano-assinatura também seja aquele que revela o principal problema de “No Meu Lugar”. A não-ação, o plano estático, a composição estudada e mesmo a tela preta se tornaram o lugar-comum do “cinema alternativo”, “cinema de autor” ou qualquer outro rótulo que se queira dar. Por mais que a direção de Valente seja bem acabada e bem pensada, com o mínimo de movimento de câmera, métrica nos enquadramentos e um bom timing para cada plano, tudo o que vemos já foi feito antes (e melhor). É como se Valente, que também é crítico de cinema, estivesse interessado apenas em fazer um exercício de estilo baseado em um tipo de cinema do qual ele gosta muito. Há muito potencial ali, mas que está claramente contido no simulacro da mise-en-scène.
O grande mérito de “No Meu Lugar” acaba sendo o roteiro, que mistura a cronologia em que a história transcorre – o que também não é novidade, mas que funciona muito bem, especialmente nos 20 minutos finais (e aí há de ressaltar o excelente trabalho do montador Quito Ribeiro). Sem falar que todos os personagens recebem o mesmo tratamento de camadas, isto é, são desenvolvidos de forma a não parecerem unidimensionais (eles são acompanhados até pela mesma trilha sonora). Mas, no fim, o que as três tramas querem dizer no momento em que convergem não vai além do que já não temos conhecimento antes de a projeção começar. Não há frescor: é só um “filme de favela” feito como se não fosse “filme de favela”.
nota: 6/10 -- veja sem pressa
No Meu Lugar (2009, Brasil)
direção: Eduardo Valente; roteiro: Eduardo Valente, Felipe Bragança; fotografia: Mauro Pinheiro Jr.; montagem: Quito Ribeiro; produção: Pimenta Jr., Walter Salles, Mauricio Andrade Ramos, Luis Galvão Teles; com: Dedina Bernardelli, Raphael Sil, Márcio Vito, Nívea Magno, Luciana Bezerra, Leticia Tavares, João Pedro Celli, Licurgo Spinola; estúdio: VideoFilmes; distribuição: VideoFilmes, Downtown Filmes. 113 min
direção: Eduardo Valente; roteiro: Eduardo Valente, Felipe Bragança; fotografia: Mauro Pinheiro Jr.; montagem: Quito Ribeiro; produção: Pimenta Jr., Walter Salles, Mauricio Andrade Ramos, Luis Galvão Teles; com: Dedina Bernardelli, Raphael Sil, Márcio Vito, Nívea Magno, Luciana Bezerra, Leticia Tavares, João Pedro Celli, Licurgo Spinola; estúdio: VideoFilmes; distribuição: VideoFilmes, Downtown Filmes. 113 min
1 comentários:
Finalmente um texto que põe os pingos nos "ii"! Muito tenho lido sobre o filme, mas a sensação é que todos tentam justificar seus defeitos evidentes de alguma forma. Não deixa de ser curioso que Eduardo Valente, diretor do pungente "Sol Alaranjado", vindo do berço crítico da Contracampo, que sempre procurou por em xeque os cacoetes do filme-favela e os de tramas paralelas e convergentes, tenha resolvido estrear na direção de um longa justamente com uma história que absorve todos esses clichês. Sem falar na transição determinista do negro favelado para o mundo do crime, pra lá de suspeita. Excelente crítica, parabéns!
Postar um comentário