Deixa Ela Entrar

por
  • VITOR DRUMOND em
  • 14 outubro 2009


  • Com a febre "Crepúsculo" em seu auge, produções sobre vampiros podem ser vistas com uma certa desconfiança entre pessoas com mais de 20 anos. É compreensível, mas saiba que, se esta for a sua postura, você perderá obras interessantes protagonizadas pelos sugadores de sangue e uma delas é esta pérola sueca, "Deixa Ela Entrar".

    "Deixa Ela Entrar" tem elementos de terror. Possivelmente, quando for lançado em DVD, ficará na seção específica desse gênero nas locadoras. Mas o filme de Tomas Alfredson é muito mais do que isso. É, na verdade, na mistura de gêneros, que ele subverte todas as expectativas de um filme de horror, já que, além dos momentos apavorantes, a produção é um romance e um triste drama sobre o amadurecimento.

    Uma das metades do romance é Oskar, um solitário garoto de 12 anos. No início do filme, presenciamos Oskar ensaiando facadas que, provavelmente, no futuro, serão destinadas a alguém. Mas logo descobrimos que se trata de um ensaio para um tipo de vingança contra alguns colegas de escola que não perdem a chance de maltratar o garoto. Vingança que, possivelmente, nunca iria acontecer, já que Oskar é frágil e passivo demais para responder à altura. Um menino isolado na escola e que não parece ter muita conexão com os pais. Ele conhece e logo se afeiçoa a uma menina também solitária, mas por outros motivos. Ela só sai à noite, anda descalça na neve e, como a própria diz, não é exatamente uma menina e tem mais ou menos 12 anos. Você já sabe do que se trata a nossa amiga, certo?

    O interessante de "Deixa Ela Entrar" é que Alfredson usa o terror para mostrar o surgimento de um romance e o desenvolvimento de um drama. Entre cenas causadoras de aflição, somos testemunhas do nascimento e crescimento da cumplicidade entre os protagonistas, muito por, através de motivos diferentes, se parecerem. Ele é o "loser" da escola, e ela o completa, dá coragem ao garoto para revidar as provocações. E Eli recebe de Oskar a amizade, o desejo, que é tão difícil para ela, por ser uma vampira.

    Apesar de contar com vários personagens, Alfredson e o roteirista John Ajvide Lindqvist (também autor do livro que deu origem ao filme) acertadamente se importam apenas com Eli e Oskar. Há um senhor que faz uma certa parceria com Eli, mas nós nunca sabemos o que ele é na verdade. Nem mesmo qual é o papel do pai de Oskar na vida do garoto. Se para algumas pessoas isto pode parecer estranho, afinal aparecem personagens que, no fim das contas, não tem uma razão e não são desenvolvidos, isso evita que "Deixa Ela Entrar" seja um filme simplório, de respostas fáceis ou didático.

    Se você está cansado de vampiros, portanto, recomendo que faça um esforço e assista a este belo filme (no sentido estético também). Porque em "Deixa Ela Entrar", ser vampiro, ou não, não é o que realmente importa. É apenas um pretexto para falar, de uma forma profunda, sobre o amadurecimento.

    nota: 9/10 -- veja no cinema e compre o DVD

    Deixa Ela Entrar (Låt den rätte komma in ou Let the Right One In, 2008, Suécia)
    direção: Tomas Alfredson; roteiro: John Ajvide Lindqvist (baseado em seu próprio livro); fotografia: Hoyte Van Hoytema; montagem: Tomas Alfredson, Dino Jonsäter; música: Johan Söderqvist; produção: Carl Molinder, John Nordling; com: Kåre Hedebrant, Lina Leandersson, Per Ragnar, Henrik Dahl, Karin Bergquist, Peter Carlberg, Ika Nord, Mikael Rahm; estúdio: EFTI; distribuição: Filmes da Mostra. 115 min

    10 comentários:

    Thiago disse...

    Realmente uma grata surpresa, principalmente pra mim, fã confesso de filmes de vampiros e que sofro cada vez que uma besteira como Crepúsculo aparece por aí e ainda faz sucesso!!!
    Aliás, destaque para o elenco infantil desse filme, especialmente a menina que faz a Eli.

    Anônimo disse...

    Hummm... me despertou o interesse de ve-lo.
    Confesso que não tenho muito gosto, hoje em dia, por filmes de terror, principalmente por filmes de vampiros (ou quaisquer outros monstros/criaturas, tipo lobisomens, zumbis então detesto, etc.), meio por achar que já deram o que tinham que dar, e estão tão repetitivos, tendo que em virtude dessa repetição incessante, até que "inovar", alterando a mitologia dos seres, para parecerem novidades (exemplo recente, são os ridiculos vampiros de Crepúsculo, que podem circular a luz do dia, basta umas nuvenzinhas... , e que sob o sol brilham como diamante... putz...!!!) Outros vampiros que não consigo engolir, também, são os de Anne Rice (embora goste do filme Entrevista com o Vampiro).
    E os filmes de Zumbi/morto-vivos!??? A mesma batida historinha, da contaminação "inexplicavel" que invariavalmente terá final pessimista...
    Sei-lá, acho que to ficando velho e ranzinza :).
    Bem, pretendo checar esse, mas me pergunto, se havia mesmo necessidade de usar o expediente de inserir um vampiro, para falar, de uma forma profunda, sobre o amadurecimento.

    P.S.
    e filmes em que há um cristal, anel, pedra, espada, cascalho, chiclete mascado, dente cariado, mamucha chupada de laranja, etc, etc, etc... que possui ( e pode dar a quem o possui), o poder de dominar ou destruir o universo/seres (me pergunto por que alguem iria querer destruir o universo, !!?? E depois!???). Putz um objeto tão ínfimo que encerra em si tanto poder?? Sei-la, acho tão infantiloide (embora o Saga Senhor dos aneis, seja bem divertida... mas o anel "miraculoso" eu acho ridiculo)
    É to ficando velho mesmo... :)

    xlucas
    http://womni.blogspot.com

    Gabriel Antonio disse...

    Esse já ta entrando pro hall dos melhores do ano.Drama sutil e original,um triunfo do apagado cinema sueco.

    vitor disse...

    Thiago, realmente o trabalho das duas crianças têm que ser destacados.

    Anônimo, não sei se era necessário vampiros para falar sobre o amadurecimento. Mas é uma forma original nas duas vias, tanto no tema, quanto no papel do próprio vampiro na produção.

    Assino embaixo, Gabriel

    ronaldpi@gmail.com disse...

    Excelente filme, impecável desde a atuação dos atores mirins até o roteiro, que conseguiu ser original num tema tão explorado quanto o vampirismo.
    Os filmes de terror normalmente não são valorizados, por causa de banalidades que abusam de gritos e banhos de sangue.
    Mas "Deixe Ela Entrar" vai muito além, que é uma verdadeira obra-prima.

    Roman Polanski disse...

    Hahaha! A hipótese do amadurecimento é boa, mas falha. Qual é então a analogia dos adolescentes (ou mesmo crianças) com o lado maléfico de um vampiro?

    Esse viés de interpretação, através de apenas uma metáfora, pode dar conta de um "crepúsculo", mas para um filme desse porte é um tanto pobre e preguiçoso, você me desculpe. O argumento da historinha de amor também não expõe a melhor proposta do roteiro, que é conduzido pela direção de maneira brilhante.

    Não posso dizer que desvendei o filme todo, sem dúvida, mas posso recomendar que assista novamente, pois há coisas muito mais interessantes nele que parece que você não percebeu. Aliás, nenhuma das críticas que tenho lido parece ter percebido coisa alguma.

    Talvez essa falta de perspicácia da crítica em geral é o que deixa claro o quanto este filme consegue ser bom, sem perder o elo com a cultura pop, esse mundo onde os jovens estão tão atentos a tudo, veêm tudo, mas infelizmente não exergam nada.

    Unknown disse...

    Ola Renato. Voce faz uma critica ao uso do personagem daquele senhor que mora com Eli e diz que seria um personagem desnecessário. Na verdade ele é fundamental. Esse filme não é uma historia de amor. Pode ate ser por parte do garotinho, mas não por parte da vampira. Aquele senhor é uma cópia do que será o garotinho Oskar, ou seja, ela usa o senhor e usara Oskar como meio de ter alguem para serví-la. Repare como ela é extremamente rude com aquele senhor quando ele não consegue o sangue. Filme perfeito.

    Daniella Dal'Comune disse...

    Esse filme é realmente muito bom por sair do tradicional, manter o clima tenso do terror e ainda assim nos envolver numa relação de amizade e amor e tudo a seu tempo. Paisagem e clima envolventes. Curti.

    *Parabéns pelo blog.

    Anônimo disse...

    Estou surpreso com a quantidade de pessoas (principalmente adolescentes) que estão achando que este é um filme romantico, um filme que versa sobre uma estória de amor adolescente! Acordem, este brilhante filme não é um romance que tem vampiros no roteiro! É uma estória fantástica que aborda de forma simbólica, e não por isto menos precisa e verdadeira, a gênese de uma mente psicopata. O velho assassino representa o futuro do Oskar. Reparem como os dois manipulam a mesma faquinha, com os mesmos gestos. O velho é Oskar e Oskar é o velho. A "menina vampira" representa o mal absoluto. O mal que seduz e conquista o frágil e massacrado Oskar. O mal que o redime, objeto de culto e paixão. A "menina" que aliás não é uma menina. Ela diz isto repetidas vezes, mas ele não que ouvir. Na cena em que "ela" troca de roupa isto fica claro, pois ela não possui vagina, e sim uma cicatriz no lugar do antigo pênis - sim, a "vampira" é um menino castrado, feminilizado (isto está colocado de forma explícita no livro, mas no filme a cena é muito rápida e fica difícil de entender). Ou seja, "ela" é o "alter-ego" dele. A cena em que ele "a" aceita é fantástica. A cena em que comete o primeiro assassinato (ao entregar o vizinho no banheiro). A cena final em que ele conversa com "ela" no trem, em morse, é uma obra-prima. A conjunção de absolutos que caracteriza a mente dos psicopatas: amor x maldade. Se você quer entender como funciona a mente de um psicopata veja este filme. Um último comentário: o título em português mais uma vez decepciona: "Deixa ela entrar". O título original, que em português seria algo como "Deixa o que está certo entrar", é uma provocação, mas traz o significado do filme (na ótica do psicopata).

    Daniella Dal'Comune disse...

    Quero agradecer a este anonimo abeixo do meu primeiro comentário. Poxa, obrigada pelo esclarecimento. Agora tem muito mais lógica.

     
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