Uma vertente do cinema nacional que começou a se formar três anos atrás ganha seu mais novo representante com “Se Nada Mais Der Certo”, quarto longa-metragem de José Eduardo Belmonte. Seguindo o tema discutido por filmes como “O Céu de Suely”, de Karim Aïnouz, “Cão Sem Dono”, de Beto Brant e Renato Ciasca, e “Nome Próprio”, de Murilo Salles, Belmonte trata do desamparo que ronda jovens que saíram de casa para tentar viver por conta própria na cidade grande.
E é um desamparo que abrange as esferas social, religiosa, corporativa e familiar. Sem dinheiro, sem emprego fixo, sem crença, sem família, o jornalista freelancer Léo (Cauã Reymond) conduz o fio de uma história que é narrada de forma fragmentada por Belmonte, como se a própria linguagem do filme estivesse à margem de um cinema brasileiro que pouco se vê ser feito hoje em dia. Ao mesmo tempo em que possui o frescor de algo inédito e atual, a direção de Belmonte remete um pouco ao Cinema Novo, com suas intervenções nada convencionais na montagem, na quebra do tempo narrativo, fazendo saltos na cronologia sem avisar ao espectador. Além disso, ele constrói cenas que aparentemente não narram nada (os personagens apenas dançam ou cantam na tela – embora a falta de jeito dos atores gere certo constrangimento alheio) e transgride as regras do corte em suas escolhas do que mostrar e o que omitir em cenas de maior agitação (uma briga, uma perseguição, um tiroteio, uma transa). Só não convence muito a divisão em capítulos, ainda que alguns intertítulos sejam inventivos (“O trabalho danifica o homem”, “A lógica do formigueiro”, “Não se meta com meus inimigos”).
A estética de “Se Nada Mais Der Certo” segue de perto aquela observada em “A Concepção”, o outro único filme de Belmonte lançado comercialmente até o momento (o longa de estreia, “Subterrâneos”, e o terceiro, “Meu Mundo em Perigo”, permanecem restritos ao circuito de festivais). São filmes sujos por convicção, mas, ainda assim, Belmonte consegue fazê-los ficar bonitos. Seu trabalho de câmera é bastante consciente, em que usa constantes primeiríssimos planos, quase carnais, nos rostos e nos corpos dos atores, junto a planos de detalhe de objetos que, numa primeira instância, não são perceptíveis (de uma cena de diálogo, por exemplo, participam também os palitos de dente quebrados em cima de uma mesa e o alto relevo no vidro de uma garrafa de cerveja). Nota-se ainda uma recorrência de imagens desfocadas, como se Belmonte não estivesse preocupado em mostrar de fato algo, mas, sim, em transmitir a sensação desse algo.
Belmonte também apresenta um trabalho sonoro inusitado, insere algumas músicas que você jamais esperaria ouvir nos momentos em que elas surgem, já que se infiltram em determinadas sequências e rendem um tom irônico bem acertado, sem deixar de serem coerentes com o que está sendo mostrado na tela. É o caso de “Todos Juntos” (praticamente, o hino do filme) e “Bicharada”, que fazem parte do musical infantil “Os Saltimbancos”, adaptado para o português por Chico Buarque. Ao mesmo tempo, outras canções fornecem a trilha sonora ideal para o drama daqueles personagens em busca de rumo, como canta maravilhosamente Almir Sater em “Tocando em Frente”, que pode ser ouvida nos créditos finais.
“Se Nada Mais der Certo” é um filme interessante não apenas estética e sonoramente. Trata-se de um tipo de cinema engajado, ácido, contestador, que toca em problemas sociais, econômicos e políticos que inundam nosso país, e tudo feito sob a roupagem da trama policial tarantinesca. Belmonte se firma como um dos cineastas mais interessantes de sua geração, justamente por não ter medo de apontar o dedo e desconstruir o conservadorismo que domina a nossa identidade cinematográfica. Seus filmes são como pedrada em vidraça.
E é um desamparo que abrange as esferas social, religiosa, corporativa e familiar. Sem dinheiro, sem emprego fixo, sem crença, sem família, o jornalista freelancer Léo (Cauã Reymond) conduz o fio de uma história que é narrada de forma fragmentada por Belmonte, como se a própria linguagem do filme estivesse à margem de um cinema brasileiro que pouco se vê ser feito hoje em dia. Ao mesmo tempo em que possui o frescor de algo inédito e atual, a direção de Belmonte remete um pouco ao Cinema Novo, com suas intervenções nada convencionais na montagem, na quebra do tempo narrativo, fazendo saltos na cronologia sem avisar ao espectador. Além disso, ele constrói cenas que aparentemente não narram nada (os personagens apenas dançam ou cantam na tela – embora a falta de jeito dos atores gere certo constrangimento alheio) e transgride as regras do corte em suas escolhas do que mostrar e o que omitir em cenas de maior agitação (uma briga, uma perseguição, um tiroteio, uma transa). Só não convence muito a divisão em capítulos, ainda que alguns intertítulos sejam inventivos (“O trabalho danifica o homem”, “A lógica do formigueiro”, “Não se meta com meus inimigos”).
A estética de “Se Nada Mais Der Certo” segue de perto aquela observada em “A Concepção”, o outro único filme de Belmonte lançado comercialmente até o momento (o longa de estreia, “Subterrâneos”, e o terceiro, “Meu Mundo em Perigo”, permanecem restritos ao circuito de festivais). São filmes sujos por convicção, mas, ainda assim, Belmonte consegue fazê-los ficar bonitos. Seu trabalho de câmera é bastante consciente, em que usa constantes primeiríssimos planos, quase carnais, nos rostos e nos corpos dos atores, junto a planos de detalhe de objetos que, numa primeira instância, não são perceptíveis (de uma cena de diálogo, por exemplo, participam também os palitos de dente quebrados em cima de uma mesa e o alto relevo no vidro de uma garrafa de cerveja). Nota-se ainda uma recorrência de imagens desfocadas, como se Belmonte não estivesse preocupado em mostrar de fato algo, mas, sim, em transmitir a sensação desse algo.
Belmonte também apresenta um trabalho sonoro inusitado, insere algumas músicas que você jamais esperaria ouvir nos momentos em que elas surgem, já que se infiltram em determinadas sequências e rendem um tom irônico bem acertado, sem deixar de serem coerentes com o que está sendo mostrado na tela. É o caso de “Todos Juntos” (praticamente, o hino do filme) e “Bicharada”, que fazem parte do musical infantil “Os Saltimbancos”, adaptado para o português por Chico Buarque. Ao mesmo tempo, outras canções fornecem a trilha sonora ideal para o drama daqueles personagens em busca de rumo, como canta maravilhosamente Almir Sater em “Tocando em Frente”, que pode ser ouvida nos créditos finais.
“Se Nada Mais der Certo” é um filme interessante não apenas estética e sonoramente. Trata-se de um tipo de cinema engajado, ácido, contestador, que toca em problemas sociais, econômicos e políticos que inundam nosso país, e tudo feito sob a roupagem da trama policial tarantinesca. Belmonte se firma como um dos cineastas mais interessantes de sua geração, justamente por não ter medo de apontar o dedo e desconstruir o conservadorismo que domina a nossa identidade cinematográfica. Seus filmes são como pedrada em vidraça.
nota: 8/10 -- veja no cinema e compre o DVD
Se Nada Mais Der Certo (2009, Brasil)
direção: José Eduardo Belmonte; roteiro: José Eduardo Belmonte, Breno Alex; Luís Carlos Pacca; fotografia: André Lavenere; montagem: Frederico Ribeincher; música: Zépedro Gollo; produção: Ronaldo D'Oxum, José Eduardo Belmonte, Abdon Bucar, Thalita Bucar; com: Cauã Reymond, Caroline Abras, João Miguel, Luiza Mariani, Adriana Lodi, Henrique Rabelo, Milhem Cortaz, Murilo Grossi, Eucir de Souza, Leandra Leal; estúdio: 34 Filmes, Filme Noise, AB Produções; distribuição: Imovision. 116 min
direção: José Eduardo Belmonte; roteiro: José Eduardo Belmonte, Breno Alex; Luís Carlos Pacca; fotografia: André Lavenere; montagem: Frederico Ribeincher; música: Zépedro Gollo; produção: Ronaldo D'Oxum, José Eduardo Belmonte, Abdon Bucar, Thalita Bucar; com: Cauã Reymond, Caroline Abras, João Miguel, Luiza Mariani, Adriana Lodi, Henrique Rabelo, Milhem Cortaz, Murilo Grossi, Eucir de Souza, Leandra Leal; estúdio: 34 Filmes, Filme Noise, AB Produções; distribuição: Imovision. 116 min
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