Há um momento na vida de todo mundo, geralmente na adolescência, em que a brincadeira da “verdade ou consequência” acaba acontecendo. Forma-se uma roda com os amigos, coloca-se a garrafa no meio, gira-se a garrafa e, quando ela pára, é a chance de fazer, ou ouvir, uma declaração que permaneceria secreta em circunstâncias comuns. A protagonista de “À Deriva” é Filipa, uma garota de 14 anos de idade que participa de um jogo da garrafa em certo momento do filme, mas podemos ver essa cena como representação da fase que a jovem atravessa. Porém, as verdades (e mentiras) que ela descobre não surgem como opção.
O longa representa um rompimento na obra que Heitor Dhalia vem construindo. Diferente do sarcasmo e do tom contestatório que marcam seus dois primeiros filmes, “Nina” e “O Cheiro do Ralo”, o cineasta pernambucano parte claramente em busca de um público mais amplo neste terceiro trabalho, contando uma história com a qual certamente mais pessoas irão se identificar. Afinal, traição é tema dos mais antigos. Mas o que a princípio surge como lugar-comum ganha dimensões afetuosas nas mãos de Dhalia, que sabe narrar o filme sem cair no melodrama.
Uma das decisões acertadas do diretor é justamente jogar o foco em Filipa, papel de Laura Neiva, atriz estreante que, segundo os produtores, foi descoberta através do site de relacionamentos Orkut. Uma bela revelação, a garota consegue dar à personagem as características exatas de uma adolescente em transição, que está deixando o lado menina para trás e se tornando uma mulher – um momento, em particular, em que a garota faz um “passeio de barco”, é filmado por Dhalia de forma a ganhar um ar quase mitológico na representação do rito de passagem. É de uma beleza estética e poética, que favorece a rima com que Dhalia finaliza a narrativa (embora a última tomada, da árvore, tenha uma certa representação bíblica que não sei bem se era necessária).
Neste conto de amadurecimento – que dialoga diretamente com o filme neozelandês “Chuva de Verão”, de Christine Jeffs, lançado em 2001 – Dhalia estabelece uma dinâmica das mais interessantes entre os filhos e os pais daquela família que passa por um período difícil. Se os garotos se comportam como as crianças que são de fato, brincando, correndo na praia e dançando, os pais também se apresentam como tal, fazendo joguinhos diante dos amigos e dos próprios filhos para esconder a real situação que estão vivendo.
Os pais – interpretados por Débora Bloch e pelo francês Vincent Cassel – demonstram atitudes infantis incompatíveis com o perfil de um casal que deveria dar o exemplo e assumir as responsabilidades de cuidar de uma família com três filhos. Já Filipa está em um período natural da vida, aprendendo a lidar com sentimentos inéditos e se dando ao direito de deixar desnorteado o garoto “galinha” que só quer “ficar” com todas as garotas da praia. E quem somos nós, homens, para discutir com as meninas nessa idade, não é mesmo? Aliás, é na relação de Filipa com seu pretendente que o filme delineia de maneira formidável a força feminina que a garota também começa a descobrir e a exercer sobre o sexo oposto.
Com esse apelo universal, “À Deriva” se beneficia ainda da bela paisagem de Búzios, que cintila na fotografia de Ricardo Della Rosa (“Casa de Areia”, “O Passado”). É no cuidado visual, aliás, que Dhalia mais se aproxima de seus filmes anteriores: apesar de a direção de arte não ser estilizada como antes, apresentando-se em tons bem mais naturais, a câmera continua a serviço pleno da tela grande, sendo difícil imaginar que num televisor as imagens se apresentem tão bonitas.
O longa representa um rompimento na obra que Heitor Dhalia vem construindo. Diferente do sarcasmo e do tom contestatório que marcam seus dois primeiros filmes, “Nina” e “O Cheiro do Ralo”, o cineasta pernambucano parte claramente em busca de um público mais amplo neste terceiro trabalho, contando uma história com a qual certamente mais pessoas irão se identificar. Afinal, traição é tema dos mais antigos. Mas o que a princípio surge como lugar-comum ganha dimensões afetuosas nas mãos de Dhalia, que sabe narrar o filme sem cair no melodrama.
Uma das decisões acertadas do diretor é justamente jogar o foco em Filipa, papel de Laura Neiva, atriz estreante que, segundo os produtores, foi descoberta através do site de relacionamentos Orkut. Uma bela revelação, a garota consegue dar à personagem as características exatas de uma adolescente em transição, que está deixando o lado menina para trás e se tornando uma mulher – um momento, em particular, em que a garota faz um “passeio de barco”, é filmado por Dhalia de forma a ganhar um ar quase mitológico na representação do rito de passagem. É de uma beleza estética e poética, que favorece a rima com que Dhalia finaliza a narrativa (embora a última tomada, da árvore, tenha uma certa representação bíblica que não sei bem se era necessária).
Neste conto de amadurecimento – que dialoga diretamente com o filme neozelandês “Chuva de Verão”, de Christine Jeffs, lançado em 2001 – Dhalia estabelece uma dinâmica das mais interessantes entre os filhos e os pais daquela família que passa por um período difícil. Se os garotos se comportam como as crianças que são de fato, brincando, correndo na praia e dançando, os pais também se apresentam como tal, fazendo joguinhos diante dos amigos e dos próprios filhos para esconder a real situação que estão vivendo.
Os pais – interpretados por Débora Bloch e pelo francês Vincent Cassel – demonstram atitudes infantis incompatíveis com o perfil de um casal que deveria dar o exemplo e assumir as responsabilidades de cuidar de uma família com três filhos. Já Filipa está em um período natural da vida, aprendendo a lidar com sentimentos inéditos e se dando ao direito de deixar desnorteado o garoto “galinha” que só quer “ficar” com todas as garotas da praia. E quem somos nós, homens, para discutir com as meninas nessa idade, não é mesmo? Aliás, é na relação de Filipa com seu pretendente que o filme delineia de maneira formidável a força feminina que a garota também começa a descobrir e a exercer sobre o sexo oposto.
Com esse apelo universal, “À Deriva” se beneficia ainda da bela paisagem de Búzios, que cintila na fotografia de Ricardo Della Rosa (“Casa de Areia”, “O Passado”). É no cuidado visual, aliás, que Dhalia mais se aproxima de seus filmes anteriores: apesar de a direção de arte não ser estilizada como antes, apresentando-se em tons bem mais naturais, a câmera continua a serviço pleno da tela grande, sendo difícil imaginar que num televisor as imagens se apresentem tão bonitas.
nota: 7/10 -- vale o ingresso
À Deriva (2009, Brasil)
direção: Heitor Dhalia; roteiro: Heitor Dhalia; fotografia: Ricardo Della Rosa; montagem: Gustavo Giani; música: Antonio Pinto; produção: Fernando Meirelles, Andrea Barata Ribeiro, Bel Berlinck; com: Laura Neiva, Vincent Cassel, Débora Bloch, Camilla Belle, Izadora Armelin, Max Huszar, Maysa Miranda, Thomas Huszar, Josefina Schiller, Gabriela Flarys, Gregorio Duvivier, Cauã Reymond; estúdio: O2 Filmes; distribuição: Universal Pictures. 101 min
direção: Heitor Dhalia; roteiro: Heitor Dhalia; fotografia: Ricardo Della Rosa; montagem: Gustavo Giani; música: Antonio Pinto; produção: Fernando Meirelles, Andrea Barata Ribeiro, Bel Berlinck; com: Laura Neiva, Vincent Cassel, Débora Bloch, Camilla Belle, Izadora Armelin, Max Huszar, Maysa Miranda, Thomas Huszar, Josefina Schiller, Gabriela Flarys, Gregorio Duvivier, Cauã Reymond; estúdio: O2 Filmes; distribuição: Universal Pictures. 101 min
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