Budapeste

por
  • RENATO SILVEIRA em
  • 22 maio 2009



  • Sempre que uma obra literária é adaptada para o cinema, surge a discussão: qual é o melhor, o livro ou o filme? As vitórias da literatura nesse duelo são mais freqüentes, e com “Budapeste” não é diferente. Aliás, o filme dirigido por Walter Carvalho é um perfeito exemplo de como essa transposição do papel para a tela precisa ser inteligente, e não servir como mera ilustração do texto original.

    No livro, Chico Buarque trabalha em cima da metalinguagem ao colocar seu protagonista, José Costa, um ghost-writer (escritor-fantasma, aquele que escreve livros, mas concede a autoria a quem o paga), sendo assombrado por seu próprio trabalho, perdido em um labirinto de palavras que se repetem em sílabas dissonantes de uma língua estrangeira, pela qual ele se apaixona. Essa relação, no entanto, se transforma num espelho amaldiçoado, que gera uma realidade não tão alternativa e ilude Costa (interpretado por um Leonardo Medeiros no piloto-automático, embora sua atuação seja consistente).

    É uma história conceitual muito interessante e que funciona perfeitamente em seu habitat natural – a linguagem escrita. E como você filma palavras? É a questão que Walter Carvalho não sabe responder.

    Ele, que é renomado pela fotografia de inúmeros filmes brasileiros, surpreende por apresentar um trabalho pobre justamente naquilo que deveria ser de seu domínio: a exploração da linguagem cinematográfica. Junto com seu filho, Lula Carvalho, que assume a direção de fotografia e o trabalho de câmera, Walter realiza um filme quadrado, pouco inventivo e arrastado, que começa a crescer somente no último ato, quando personagens e realidades se embaralham. Mas aí já é tarde demais e o plano final soa mais como uma brincadeira presunçosa do que como um ponto de emenda narrativo.

    A intenção é nobre por respeitar o texto de Chico Buarque – ele, aliás, dá sua chancela ao filme fazendo uma breve participação especial. Mas “Budapeste” é o caso claro onde os realizadores deveriam ter ido além do livro. O que impediria, por exemplo, que o personagem principal fosse transformado de escritor em cineasta? Dessa forma, a metalinguagem funcionaria a favor da imagem (essência do cinema, tal qual a palavra na literatura) e o jogo de espelhos proposto pela história certamente seria mais produtivo e intrigante. É uma liberdade que beneficiaria a adaptação, sem com isso desrespeitar o conceito.

    nota: 4/10 -- veja sem pressa

    Budapeste (2009, Brasil/Hungria/Portugal)
    direção: Walter Carvalho; roteiro: Rita Buzzar (baseado no livro de Chico Buarque de Hollanda); fotografia: Lula Carvalho; montagem: Pablo Ribeiro; música: Leo Gandelman; produção: Rita Buzzar; com: Leonardo Medeiros, Giovanna Antonelli, Gabriela Hãmori, Paola Oliveira, Débora Nascimento, Antonie Kamerling, András Bállint, Djoko Rossich, Nicolau Breyer, Ivo Canellas; estúdio: Nexus Cinema, Eurofilm Stúdió, Stopline Films; distribuição: Imagem Filmes. 113 min

    5 comentários:

    Fred Burle disse...

    Acho essa discussão de "o que é melhor..." mais que batida. Não tem muito sentido, já que os meios são muito diferentes e cada um tem seu charme.
    Agora, é claro que há boas e más adaptações. Aí sim, a discussão é válida.
    Que pena que você não gostou do filme. Vou assistí-lo amanhã ou depois e aí posto minha opinião.

    Ah! Obrigado pelo link, Renato!

    Ramon disse...

    Péssimo filme. Adorei o livro e o via como uma possível adaptação. Nem gosto de fazer comparação, mas, em alguns aspectos, a adaptação do texto ao cinema não poderia esquecer dados essenciais. Se no texto havia um fechamento, o filme só faz do fechamento algo eficaz, caso o espectador tenha lido o livro. Não ficou, de forma alguma, clara a confusão texto e vida do autor. Uma pena... O livro é fantástico.
    Mais uma vez, mais uma obra ou vida (lembro as vidas riquíssimas do Noel e do Garrincha que não tiveram boas adaptações) perderam a oportunidade de se somarem enquanto obra artística. Só vejo uma forma para as comparações entre texto e adaptação acabarem: quando adaptação é tão boa que se soma ao livro.

    RENATO SILVEIRA disse...

    Concordo, Fred, que os meios são diferentes e devem ser analisados separadamente. No caso de "Budapeste", fica claro isso, mas é inevitável trazer a discussão do "melhor ou pior" à tona quando o próprio filme não nos deixa esquecer o livro (até a capa amarela, igual a original, está lá). O que parece que se tentou fazer aqui foi usar os mecanismos da literatura no cinema. E aí o filme falha.

    Ramon, estou 100% contigo.

    []s!

    Anônimo disse...

    Renato, concordo com o que vc disse. Certamente seria mais interessante (e mais fácil) se o personagem fosse um cineasta.

    Acho que vou esperar pelo DVD enquanto leio o livro....

    Abraço!

    Caio. disse...

    po Renato valeu aí por ter feito essa mini-cobertura do festival de Cannes , eu que não sei ler inglês achei bem legal tu dar um resuminho da cobertura da critica sobre os filmes que rolaram lá.

     
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