A Troca

por
  • RENATO SILVEIRA em
  • 09 janeiro 2009



  • Por mais estranho que isso soe, em "A Troca", Clint Eastwood faz uma mistura de "Sobre Meninos e Lobos" com "A Conquista da Honra". Do primeiro, ele pega a trama policial que se desenvolve de forma assustadora a cada porção do enredo que é oferecida ao espectador. Do último, Eastwood reaproveita a temática do uso da imprensa pelo alto poder para passar uma imagem que não condiz com a realidade. O problema é que o resultado dessa combinação não chega a ser metade tão bom quanto os dois filmes isolados.

    As diferenças são que no lugar do pai desesperado pelo assassinato da filha adolescente de "Sobre Meninos e Lobos", em "A Troca" há a mãe que perde o filho criança em um aparentemente inexplicável caso de desaparecimento. E no lugar do exército que quer se vangloriar da bravura de seus soldados, aqui é o departamento de polícia de Los Angeles que tenta camuflar sua incompetência ao forjar o resgate do garoto.

    Com sua habitual destreza na filmagem, Eastwood já coloca o espectador no clima que pretende antes mesmo de o filme iniciar, quando a logo da Universal surge em seu formato antigo dos anos 30 e a primeira cena começa em preto-e-branco, tomando cor (ainda que pálida) aos poucos. A história real que o cineasta nos conta desta vez se passa em 1928 e se estende até a metade da década seguinte.

    A narrativa tem seu ritmo épico pontuado basicamente por três partes. Inicia com certo tom melodramático, onde o destaque é a atuação de Angelina Jolie (que está muito bem e convence em seu choro de mãe incrédula na situação que lhe acomete). Em seguida, surge algo como um thriller policial, possivelmente onde Eastwood acerta mais a mão. Por fim, recorre-se ao drama de tribunal para que todos os pingos sejam colocados nos "is".

    Mas algumas coisas parecem fora do lugar e "A Troca" acaba se tornando o menor Eastwood dos últimos cinco anos. O que mais incomoda é a caracterização dos personagens, estranhamente unilateral. Basicamente, funciona assim: tudo o que o capitão da polícia Jones (Jeffrey Donovan) diz está errado e tudo o que o reverendo Briegleb (John Malkovich) diz é o certo. Da mesma forma, Christine Collins (Jolie) é pega para Cristo e passa o filme sendo física e psicologicamente torturada - sendo o auge, que testa os limites da personagem e da platéia, atingido em dispensáveis cenas dentro de uma instituição psquiátrica, onde os funcionários são caricaturas (por sinal, algo que Eastwood já havia feito com a família de Hilary Swank em "Menina de Ouro"). Mas, claro, o troco por todo o sofrimento é dado e o desejo de justiça incutido na mente do público durante a projeção é satisfeito em um espetacularizado confronto final, em que a redenção descansa no sorriso contido nos lábios carnudos da moça.

    Não irei desmerecer o trabalho de Eastwood por ser manipulativo, já que tantos outros filmes que adoro também o são. É o maniqueísmo que permeia o roteiro de J. Michael Straczynski que impede que "A Troca" seja verdadeiramente um filme de Clint Eastwood. Afinal, este era para ser um filme de Ron Howard antes de tudo. Portanto, apesar dos pesares, Eastwood ainda pode ser considerado um herói por salvar um provável fracasso.

    nota: 6/10 -- veja sem pressa

    A Troca (Changeling, 2008, EUA)
    direção: Clint Eastwood; com: Angelina Jolie, Gattlin Griffith, John Malkovich, Colm Feore, Devon Conti, Jeffrey Donovan, Jason Butler Harner, Eddie Alderson; roteiro: J. Michael Straczynski; produção: Clint Eastwood, Brian Grazer, Ron Howard, Robert Lorenz; fotografia: Tom Stern; montagem: Joel Cox, Gary Roach; música: Clint Eastwood; estúdio: Imagine Entertainment, Malpaso Productions, Relativity Media; distribuição: Universal Pictures. 141 min

    12 comentários:

    Liesl disse...

    Eu ja nao estava com vontade de ver, agora entao...
    Vcs chegaram a ver/criticar Gone Baby Gone, dirigido pelo Ben Affleck. Achei excelente! A tematica de changeling me lembrou esse filme.

    Anônimo disse...

    kkkkkkkkkk
    Engraçado Li, agora é que eu fiquei mais ansioso ainda pelo filme! Mas acho que somente próxima semana que verei...

    Ótimo texto por sinal, Renato.

    Gone Baby Gone é muito bom realmente! Mas acho que Changeling (quase que era o nome da Angelina no título do filme!!) segue um rumo bem diferente...

    RENATO SILVEIRA disse...

    Eu ainda não vi o filme do Affleck, Li. E o pior é que tenho o DVD em casa hehehe. Agora que você falou, vou dar um jeito ver para ver se tem um paralelo com o "Changeling".

    By the way: eu já estava mais afim de ver o "Gran Torino", agora fiquei com mais vontade ainda. Esse, sim, tem cara de Eastwood. Vamos ver.

    []s!

    Anônimo disse...

    Pois eu acho que o que você chama de maniqueísmo é uma bela sacada do Eastwood pra transformar todos os algozes da personagem da Jolie em verdadeiras acepções do terror. Afinal, é preciso lembrar que vemos o filme todo sob o ponto de vista dela, mesmo que a ambientação aparente ser a de uma certa objetividade narrativa. Porém, a meu ver, dar literalmente o espaço todo do filme àquela mãe acaba permitindo (justificando?) que tudo ao seu redor que a impeça de chegar ao filho ganhe contornos monstruosos.

    Su disse...

    Vi o filme e adorei. A historia segue por um caminho ke nao estava a espera. Vejam ke vao gostar.

    RENATO SILVEIRA disse...

    Marcelão, bom ponto de vista o seu. Mas não sei, cara. Essa leitura que você propõe pode ser empregada também em um filme como "Olga" para permitir (justificar?) as escolhas do Jayme Monjardim. Veja bem, não estou comparando o Monjardim com o Eastwood! Assim como você, sou fã do segundo (OK, você é mais tiete!), mas ainda acho que "A Troca" (e "Olga") não necessita daquela caracterização, já que a história por si só já é forte o bastante - e inacreditável mesmo numa página de jornal.

    []s!

    Anônimo disse...

    Renatão, eu mesmo fiz pergunta semelhante sobre essa visão monstruoso de antagonistas, mas não pensando em OLGA, e sim em BATISMO DE SANGUE (que não gosto, e acho que o exemplo vale pra ambos). E senti o que faz o diferencial no caso do Eastwood: ele não tenta diminuir a potência da sua personagem por conta dessa visão de horror de alguns "vilões". A mãe de A TROCA é sempre a mesma figura, sempre firme nas convicções e disposta a superar os "monstros". Nos outros exemplos, os cineastas fazem dos antagonistas monstrengos caricatos na ânsia de torná-los maiores que os protagonistas, fazendo com que estes pareçam mais frágeis diante deles - o que, supostamente, torna a vitória do "herói" mais saborosa e lava a alma do público. Ao meu ver, tanto A TROCA quanto MENINA DE OURO não fazem esse procedimento. Eles simplesmente dão facetas monstruosas àqueles determinados personagens, mas nunca os torna realmente monstros. Eles não são justificativas para as ações dos protagonistas, mas complementos. E saindo das comparações, mas ainda falando de A TROCA (SPOILER A SEGUIR), você há de convir que um filme não pode ser maniqueísta quando a maior encarnação do mal em cena (o matador de crianças) é mostrado como uma figura tão fragilizada, piedosa e patética, sem jamais, por isso, deixar de ser uma figura detestável.

    RENATO SILVEIRA disse...

    Marcelão, os personagens da clínica psquiátrica de "A Troca", ao meu ver, são tão monstros quanto os torturadores de judeus em "Olga" ou de "subversivos" em "Batismo de Sangue" (deste eu já gosto). Da mesma forma, não gosto do capitão da polícia, o mal em pessoa. Não consigo ver a diferença que você aponta... Já em "Menina de Ouro" eu concordo que funciona de acordo com o que você disse. Acho que são abordagens diferentes de um filme para outro. Quanto ao SPOILER (SIM, PARE DE LER SE NÃO VIU O FILME!), eu concordo. É o melhor personagem do filme. Mas ainda acho que, mesmo que toda a caracterização dos demais seja exagerada por representar a visão da mãe, o maniqueísmo não deixa de existir. Ela (e o Eastwood, afinal é o ponto de vista dele mais do que tudo) enxerga o bem ou o mal. Vai de um oposto ao outro. E acho que os dois julgamentos ao final servem justamente para lavar a alma do público. E como eu não conhecia a história de antemão, juro que já estava esperando o filme acabar com o garoto voltando pra casa. hehehe

    []s!

    Anônimo disse...

    off topic:

    Kate Winslet arrasou no Golden Globe!!! Meu mundo já é um lugar melhor... Peninha da Penelope, mas já tava na hora da Kate

    ^^

    Anônimo disse...

    Renatão, é uma discussão ad infinitum, e até por isso estimulante. Mas ainda batendo na mesma tecla, tento te apontar meu ponto de vista de uma maneira mais simplória, mas dentro do que eu disse: pelo ponto de vista de "A Troca", aqueles antagonistas PRECISAM ser pintados como seres amorais porque estão impedindo a mãe de chegar ao filho por pura motivação midiática (polícia) ou conspiratórias (clínica), algo inconcebível e realmente tenebroso, sob qualquer ponto de vista - e aí, nesse aspecto, eu acho uma atitude até política do Eastwood colocar esses personagens numa posição de seres desprezíveis, porque não faria sentido, dentro dessa lógica, ficar dando "humanidade" a eles (as aspas são porque, no fim das contas, o filme nunca nega que eles sejam humanos, seja por um olhar ou por um movimento em falso). Por outro lado, em "Batismo de Sangue" e "Olga", os antagonistas NÃO PRECISAM ser moldados como monstrengos, porque eles o são naturalmente e dentro do imaginário de qualquer espectador bem informado - ninguém duvida que os artífices do Holocausto ou o delegado Fleury eram figuras monstruosas. Reforçar essa imagem literalmente na base da porrada fragiliza os filmes e torna esse "vilões" bem menos críveis do que se fossem apresentados de forma mais "natural" e espontânea.

    RENATO SILVEIRA disse...

    Eu entendi, Marcelão. Só não concordo que em "A Troca" há essa necessidade, uma vez que o que foi feito ali foi monstruoso de qualquer forma. Os nazistas e os militares também tinham suas motivações, por mais que elas sejam absurdas se comparadas às da polícia de Los Angeles. Não acho que há necessidade de humanizar os vilões, não. Mais uma vez: o problema é o exagero (que, no caso de "Batismo de Sangue", não acho que exista, pois o troço ali era barra pesada mesmo - o que pode ser questionado é a falta de sutileza do Helvécio Ratton). Agora, o exagero é uma opção (artística ou política), isso não se discute. Só acho que não há necessidade em "A Troca", pois, novamente, já é uma história naturalmente forte. É uma questão de tom.

    []s!

    Anônimo disse...

    Não sei o que seria um filme bom pra quem não gostou desse. Sinceramente? Assisti ao filme e não vi defeitos. É simplesmente brilhante.

     
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