O Natal traz sentimentos antagônicos: se por um lado é sinônimo de festa, reunião familiar, confraternização, por outro a data chega em um momento em que as pessoas parecem estar mais cansadas, estressadas, carregadas. Talvez seja resultado de um acúmulo de trabalho e outras coisas ao longo dos meses ou talvez seja apenas uma impressão que temos por se ter cumprido o calendário até o fim.
“Feliz Natal”, primeiro longa de Selton Mello na direção, traz exatamente essa dicotomia: não espere um filme alegre ou o típico lançamento de fim de ano. Não, não. Apesar de o riso aflorar em mais de um momento (muito graças ao garotinho Fabrício Reis), temos aqui o retrato de uma família desestruturada que vê seus dramas chegarem à beira da tragédia quando o filho mais velho, Caio (Leonardo Medeiros), retorna para casa justamente na noite natalina.
Ao longo do filme, descobrimos que Caio se envolveu e se sente culpado por um acidente automobilístico (não é a toa que ele trabalha em um ferro velho, como se aquilo fosse um tipo de expurgo) que resultou em pelo menos uma fatalidade (a morte, aliás, é um tema recorrente e que faz contraponto ao título, já que “natal” significa “nascimento”). Mas por que isso aconteceu, como e quem foi o verdadeiro culpado, o espectador não saberá. Da mesma forma, fica a dúvida sobre a razão da forte amargura que o pai (o grande Lúcio Mauro) sente em relação ao filho. Não parece ter sido apenas por causa do acidente. A relação de Caio com o irmão Theo (Paulo Guarnieri) também é marcada pelo ressentimento – algo que fica claro na cena em que Theo pergunta: “Você queria me falar alguma coisa?”, ao que Caio responde: “Queria”. Mas aquilo permanece engasgado.
Os motivos não importam realmente. O que interessa a Selton Mello são as emoções daquelas pessoas, o que elas sentem. Tanto é que sua câmera sempre procura empregar ao filme uma textura epidérmica: com imagens bastante granuladas (o que sempre me dá a impressão de que o filme está vivo), várias cenas são filmadas em primeiríssimos planos ou planos de detalhes, que quase encostam a lente na pele dos atores (como muitos colegas já disseram em seus textos e o próprio diretor admitiu, é uma influência direta do cinema de John Cassavetes). Mais que isso, Selton está em busca de olhares, como se os personagens falassem com os olhos. Em algumas dessas tomadas, ele adota um estilo esteticamente imperfeito, mas nem por isso inadequado, ao dar zoom no rosto dos atores enquanto eles dizem alguma coisa ou só escutam. São detalhes na filmagem que dão personalidade ao longa, somados aos bem executados planos-seqüências (que por sua vez remetem aos irmãos Dardenne) e à bela e equilibrada fotografia em scope de Lula Carvalho.
Talvez “Feliz Natal” perca um pouco de sua força em momentos isolados, como nas participações dos amigos de Caio, que acabam por fazer lembrar o jeito caricatural de Selton na frente das câmeras: eles falam rápido, esbravejam em certas horas, fazem piadas – parecem incorporar o ator Selton Mello em cena. Incomoda também a carga dramática excessiva empregada a um dos momentos finais (direi apenas que é numa cena que remete à primeira tomada do filme).
De qualquer forma, o que são esses “problemas” diante de uma seqüência tão magnífica quanto aquela em que a matriarca vivida por Darlene Glória, num momento de catarse em busca do nirvana, executa uma espécie de “dança da morte” enquanto, paralelamente, é mostrado o que se passa com os demais personagens? É um dos grandes momentos exibidos numa tela de projeção este ano, e não só entre os filmes brasileiros. É, enfim, um dos pontos altos que tornam este “Feliz Natal” tão assustadoramente bom.
“Feliz Natal”, primeiro longa de Selton Mello na direção, traz exatamente essa dicotomia: não espere um filme alegre ou o típico lançamento de fim de ano. Não, não. Apesar de o riso aflorar em mais de um momento (muito graças ao garotinho Fabrício Reis), temos aqui o retrato de uma família desestruturada que vê seus dramas chegarem à beira da tragédia quando o filho mais velho, Caio (Leonardo Medeiros), retorna para casa justamente na noite natalina.
Ao longo do filme, descobrimos que Caio se envolveu e se sente culpado por um acidente automobilístico (não é a toa que ele trabalha em um ferro velho, como se aquilo fosse um tipo de expurgo) que resultou em pelo menos uma fatalidade (a morte, aliás, é um tema recorrente e que faz contraponto ao título, já que “natal” significa “nascimento”). Mas por que isso aconteceu, como e quem foi o verdadeiro culpado, o espectador não saberá. Da mesma forma, fica a dúvida sobre a razão da forte amargura que o pai (o grande Lúcio Mauro) sente em relação ao filho. Não parece ter sido apenas por causa do acidente. A relação de Caio com o irmão Theo (Paulo Guarnieri) também é marcada pelo ressentimento – algo que fica claro na cena em que Theo pergunta: “Você queria me falar alguma coisa?”, ao que Caio responde: “Queria”. Mas aquilo permanece engasgado.
Os motivos não importam realmente. O que interessa a Selton Mello são as emoções daquelas pessoas, o que elas sentem. Tanto é que sua câmera sempre procura empregar ao filme uma textura epidérmica: com imagens bastante granuladas (o que sempre me dá a impressão de que o filme está vivo), várias cenas são filmadas em primeiríssimos planos ou planos de detalhes, que quase encostam a lente na pele dos atores (como muitos colegas já disseram em seus textos e o próprio diretor admitiu, é uma influência direta do cinema de John Cassavetes). Mais que isso, Selton está em busca de olhares, como se os personagens falassem com os olhos. Em algumas dessas tomadas, ele adota um estilo esteticamente imperfeito, mas nem por isso inadequado, ao dar zoom no rosto dos atores enquanto eles dizem alguma coisa ou só escutam. São detalhes na filmagem que dão personalidade ao longa, somados aos bem executados planos-seqüências (que por sua vez remetem aos irmãos Dardenne) e à bela e equilibrada fotografia em scope de Lula Carvalho.
Talvez “Feliz Natal” perca um pouco de sua força em momentos isolados, como nas participações dos amigos de Caio, que acabam por fazer lembrar o jeito caricatural de Selton na frente das câmeras: eles falam rápido, esbravejam em certas horas, fazem piadas – parecem incorporar o ator Selton Mello em cena. Incomoda também a carga dramática excessiva empregada a um dos momentos finais (direi apenas que é numa cena que remete à primeira tomada do filme).
De qualquer forma, o que são esses “problemas” diante de uma seqüência tão magnífica quanto aquela em que a matriarca vivida por Darlene Glória, num momento de catarse em busca do nirvana, executa uma espécie de “dança da morte” enquanto, paralelamente, é mostrado o que se passa com os demais personagens? É um dos grandes momentos exibidos numa tela de projeção este ano, e não só entre os filmes brasileiros. É, enfim, um dos pontos altos que tornam este “Feliz Natal” tão assustadoramente bom.
nota: 9/10 -- veja no cinema e compre o DVD
Feliz Natal (2008, Brasil)
direção: Selton Mello; com: Leonardo Medeiros, Darlene Glória, Paulo Guarnieri, Lúcio Mauro, Graziella Moretto, Fabrício Reis, Emiliano Queiroz, Thelmo Fernandes, Claudio Mendes, Daniel Torres, Nathalia Dill, Hossen Minussi, Rose Abdallah, Lucas Guarnieri, Liz Maggini, Cláudia Nunes; roteiro: Selton Mello, Marcelo Vindicatto; produção: Vânia Catani, Selton Mello; fotografia: Lula Carvalho; montagem: Selton Mello, Marília Moraes; música: Plínio Profeta; estúdio: Bananeira Filmes, Mondo Cane Filmes; distribuição: Europa Filmes. 100 min
direção: Selton Mello; com: Leonardo Medeiros, Darlene Glória, Paulo Guarnieri, Lúcio Mauro, Graziella Moretto, Fabrício Reis, Emiliano Queiroz, Thelmo Fernandes, Claudio Mendes, Daniel Torres, Nathalia Dill, Hossen Minussi, Rose Abdallah, Lucas Guarnieri, Liz Maggini, Cláudia Nunes; roteiro: Selton Mello, Marcelo Vindicatto; produção: Vânia Catani, Selton Mello; fotografia: Lula Carvalho; montagem: Selton Mello, Marília Moraes; música: Plínio Profeta; estúdio: Bananeira Filmes, Mondo Cane Filmes; distribuição: Europa Filmes. 100 min
1 comentários:
Nem precso dizer que fiquei fã do garotinho, né? Filme triste, mas muito lindo. Também tive a sensação de que tudo aquilo era muito vivo. Ah,mais um filme de olhares, hein? :*
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