O Ultimato Bourne

por
  • RENATO SILVEIRA em
  • 30 agosto 2007


  • O que faz de Jason Bourne um personagem tão fascinante é o fato de ele ser um herói de ação tão pé no chão quanto o John McClane do primeiro “Duro de Matar” (sim, só do primeiro, pois nos filmes seguintes ele se tornou uma caricatura de si mesmo). Ao invés de usar supercomputadores, superarmas e supercarros, Bourne faz uma busca no Google, usa uma caneta Bic como faca e entra em uma perseguição alucinante dirigindo um táxi.

    Como nos permite acreditar que ele é um ser humano de verdade, o espião sem memória – criado pelo escritor Robert Ludlum e interpretado com eficácia nas telas por Matt Damon – constrói facilmente uma identificação com o público. E o que existe de mais curioso nessa relação é que a busca de Bourne por sua verdadeira indentidade pode ser lida como uma busca da própria platéia. Afinal, será que somente ele é manipulado? Nós também não deveríamos parar de seguir o que nos é dito e questionar o porquê dos nossos atos?

    Caso essa leitura seja feita, a revelação da origem de Bourne e a razão de ele ter se tornado um agente desvenda também uma verdade sobre nós mesmos. Este é um posicionamento que se pode esperar do diretor Paul Greengrass, cujos filmes sempre tratam da atitude do espectador, como cidadão, diante de circustâncias de caráter político (basta lembrar de “Domingo Sangrento” e “Vôo United 93”). Se você quiser fazer uma relação entre o programa Treadstone/Blackbriar e a Guerra do Iraque, sinta-se à vontade. E mesmo que não faça, será difícil não refletir sobre a admirável cena em que Bourne pergunta para um dos agentes que o perseguem: “Você ao menos sabe por que tem que me matar?”

    De certo modo, a história de Bourne também pode ser vista como a história do monstro de Frankenstein: ele foi construído por um cientista louco (no caso, a CIA) e deixado à deriva no mundo; agora, quer recobrar sua consciência e entender quem ele é. Nesse sentido, os três filmes da série mostram que a criação acaba por se tornar maior que o criador: no primeiro, Bourne era mais uma vítima do que qualquer outra coisa; no segundo, ele consegue ficar quite; já no terceiro, a agência é que se torna sua presa – o que fica evidente na constante frustração do personagem de David Strathairn quando nenhuma de suas estratégias é capaz de parar Bourne (que, como se não bastasse, ainda ganha aliados).

    Cada tentativa de deter o protagonista é acompanhada por impressivas cenas de briga (o confronto mano a mano com Desh em um apartamento no Tânger é digno de liderar qualquer listinha de melhores lutas do cinema), que quase sempre concluem uma grande, elaborada e frenética perseguição de carro, de moto ou a pé. E como é bom ver que, depois de sair no pau com seus inimigos, Bourne não só sangra, como também sua (quantas vezes vemos suor escorrendo e pingando do rosto dos atores em filmes de ação?).

    Se você assistiu a “A Supremacia Bourne”, sabe que, mais que a câmera tremida, a montagem das cenas de ação de Paul Greengrass é desnorteante. Aqui, ela é tão ou mais desatinada, mas, a bem da verdade, o filme não se torna incompreensível por isso. Muita gente critica Michael Bay e outros diretores por usarem cortes muito rápidos e não permitirem que o espectador compreenda o que acontece na tela. Pois bem, Greengrass mostra que o problema não é a velocidade (há seqüências neste filme muito mais rápidas que os momentos mais intensos de “Transformers”). O que importa é a coerência na ordem das tomadas. É perfeitamente entendível, por exemplo, a cena em que Bourne corre por cima de um telhado, se apóia em um parapeito e pula para a janela do prédio vizinho. Os cortes são rapidíssimos, mas as tomadas estão ordenadas de uma forma que permite compreender todos os movimentos do personagem naquele momento.

    “O Ultimato Bourne” dá as respostas para perguntas que vinham desde o primeiro filme. Ao contrário de outras continuações que prometeram esclarecer dúvidas (“Star Wars”, “Matrix”), esta não decepciona. Sem falar que Greengrass e o roteirista Tony Gilroy subvertem o próprio conceito de continuação de uma maneira genial (se você ainda não assistiu, sugiro apenas que tenha em mente a cena final de “A Supremacia Bourne” quando for ao cinema).

    Para encerrar a trilogia sem deixar arestas, Greengrass ainda faz uma elegante homenagem a Doug Liman (o competente diretor do filme de 2002 e produtor executivo dos dois seguintes) com um elegante plano contra-plongée que rima com a cena de abertura da série.

    Se haverá mais aventuras para Bourne, só o tempo e os executivos do estúdio dirão. Greengrass mostra que não é cético quanto a isso. Mas, particurlamente, torço para que cheguem à conclusão de que é melhor parar enquanto se está por cima – no caso de “Bourne”, bem acima dos demais.

    nota: 10/10 -- veja no cinema e compre o DVD

    O Ultimato Bourne (The Bourne Ultimatum, 2007, EUA), dir.: Paul Greengrass – em cartaz nos cinemas.

    9 comentários:

    Anônimo disse...

    Tambem apreciei muito esse filme maravilhoso, que como poucos conseguiu unir inteligência e ação. Uma série de respeito mesmo, cara. Agora, quero me desculpar com o Renato por ter chamado o blog aqui de "cinemascópio" em vez de "cinematório" em um comentário que eu fiz no Bastidores da Notícia...foi mal, cara!!!! Se puder, dê uma passadinha no meu blog para ver minha opinião sobre o Ultimato...
    Quem quiser passar lá, está convidado, ok?
    Segue o link: http://abesapiendiz.blogspot.com/2007/08/o-ultimato-bourne.html.
    Um abraço, Renato e Tooms e até a próxima!

    Anônimo disse...

    Deixei passar os outros dois filmes da trilogia. Não sou muito fã de filmes de ação, mas esse parece ir muito além do gênero. Vou conferir, até porque gosto do trabalho de Matt Damon.

    Anônimo disse...

    Não dou nota dez, mas um 8 vale com méritos. Impressionante como a franquia cresceu a cada filme (lembro que havia terminado de ver o primeiro em DVD e, ao final da projeção, acabei desapontado, achando que era fogo de palha). Mas o Greengrass deu outra vida à história. Muito bom mesmo!

    (http://claque-te.blogspot.com): Fahrenheit 451, de François Truffaut.

    Anônimo disse...

    Finalmente assisti neste fim de semana o filme, e posso dizer que é um filmaço! Bem melhor do que eu esperava. Fiquei decepcionado com o Supremacia Bourne, por causa da camera tremida que me irritou profundamente, tirando todo o prazer de ver o filme. Especialmente porque fugiu completamente do estilo visual do primeiro filme do qual tinha gostado bastante.

    Neste eu já fui preparado mentalmente sabendo que a camera tremida estaria no filme. Recurso que apreciei no United 93 e no seriado Friday Night Lights. Sentei mais no fundo (gosto de sentar próximo ao telão) e desta vez a tela tremida não me incomodou e pude apreciar toda a tensão, e inteligencia da trama.

    Ótimo filme.

    Anônimo disse...

    Demorou mas vi o filme. Espetacular como todos da trilogia! Seu texto está ótimo, Rena, e adorei o fato de ter colocado os papéis do Bourne e sua evolução em cada um dos filmes. Se a gente refletir, é exatamente isso que acontece: a gente vê a evolução do personagem e da história e como ele migra da posição de vítima para um agente de tem o domínio da situação.
    Eu gostei muito do filme, muito mesmo. Pra entender melhor, acabo vendo tudo de novo, então sentei e vi o primeiro e o segundo. Nessa revisão, me lembrei de uma outra coisa que torna o filmes Bourne interessantes: a gente viaja pelo mundo acompanhando o agente. Quantos países a gente visita, mesmo que rapidamente, vendo o que passa na big screen? muito legal e claro, com os movimentos incríveis, as brigas e perseguições que definitivamente nos levam a buscar alguma coisa também, como você bem colocou no começo do seu texto.
    Bjs e muita saudade!

    Anônimo disse...

    Renato,
    Faz tempo que vi Ultimato no cinema e ontem revi Supremacia na TV. Devo confessar que - err - vacilei para enteder uma parte de sua crítica... Acho que minha pergunta precisará de um spoiler para ser respondida, mas o que quis dizer com:
    "Sem falar que Greengrass e o roteirista Tony Gilroy subvertem o próprio conceito de continuação de uma maneira genial (se você ainda não assistiu, sugiro apenas que tenha em mente a cena final de “A Supremacia Bourne” quando for ao cinema)."?
    Abraço,
    João.

    RENATO SILVEIRA disse...

    João, realmente é necessário um spoiler (portanto, leitores que ainda não viram o filme, pulem essa resposta!).



    O que eu quis dizer é que naquela cena em que o Bourne observa a Pamela (Joan Allen) com um binóculo, do outro prédio, vemos que tudo que aconteceu até então (mais da metade do filme!) estava contido no final de "A Supremacia Bourne" - já que a mesma cena é vista no desfecho anterior da série. Achei isso genial, porque acaba que a continuação mesmo começa a partir dali. Do ponto de vista narrativo, tudo que vimos até ali era uma "prequel", digamos.

    Respondido?

    []s!

    Anônimo disse...

    Renato,
    Parafraseando Roberto Jefferson, se tem uma coisa que desperta meus instintos mais primitivos é sair de uma sessão de cinema (ou mesmo ao ver um filme em casa) e não "captar alguma mensagem"! Confesso que não interpretei da mesma forma que você. Assisti à cena de Ultimato como uma rima visual com a de Supremacia. Pois é, vacilei...
    É sempre bom trocar idéias com outras pessoas. E sim, considere muito bem respondido.
    Muito obrigado!
    Abraço,
    João.

    RENATO SILVEIRA disse...

    João, minha noiva também não pescou na hora hehehe Mas muita gente não percebeu, eu acho. No dia após a cabine eu conversei com colegas dos jornais e ninguém mencionou nada. Mas independente dessa virada, é um filme excelente de qualquer forma.

    []s!

     
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