Em “E.T. – O Extraterrestre”, a mãe de Elliott entra no banheiro e se depara com seus filhos em torno de E.T., que está adoentado. Naquele momento, ocorre o encontro entre os dois mundos do filme: o das crianças, fantasioso e inocente, e o dos adultos, realista e cheio de preocupações. A partir de então, Steven Spielberg consegue intercalar sutilmente essas duas instâncias da narrativa até que, quando presenciam a despedida de E.T., os adultos também se tornam crianças.
O que Spielberg fez em seu filme mais adorado até hoje, Robert Shaye não é capaz de repetir em “Mimzy – A Chave do Universo”, tornando a produção um grande potencial desperdiçado.
O longa lembra alguns filmes infantis de ficção-científica e aventura dos anos 80, com os quais compartilha sua fórmula: crianças descobrem algo extraordinário, escondem dos adultos, adquirem habilidades especiais e conhecem um mundo novo. Já vimos isso acontecer de formas diferentes em “E.T.”, “Os Goonies”, “Viagem ao Mundo dos Sonhos”, “O Vôo do Navegador”, entre outros. “Mimzy” ameaça chegar perto desses clássicos infantis, mas falha em dois pontos cruciais.
O primeiro é que a interferência dos adultos na história é maior, o que quebra sua atmosfera de ingenuidade. Se nos títulos mencionados, os pais e os agentes do governo (eles sempre aparecem) são acolhidos pelo mundo infantil, aqui eles praticamente o invadem. As cenas com Michael Clarke Duncan, por exemplo, são as que menos funcionam. A presença do ator e do FBI não precisava ser tão grande, ainda mais por ser descartada na conclusão da história. Seria melhor se fosse dada mais atenção à relação do garoto Noah com seu professor (Rainn Wilson) ou mesmo com seus pais (Timothy Hutton e Joely Richardson), mas todos são mal desenvolvidos.
O outro ponto em que “Mimzy” decepciona é na resolução da trama. Durante a maior parte do tempo, o filme é capaz de deixar o público intrigado sobre o que pode significar as mensagens que o coelho de pelúcia e as pedras gravitantes querem transmitir. Isto aumenta a tensão a cada nova descoberta dos personagens, porém, quando é chegada a hora de revelar o objetivo de tudo aquilo, somos deixados com uma explicação banal, tornando frustrante uma experiência que, até então, prendia o nosso interesse.
Tais falhas podem ser atribuídas ao roteiro de Bruce Joel Rubin (que enganou muita gente quando escreveu “Ghost - Do Outro Lado da Vida”) e Toby Emmerich, que junto com Shaye controla a New Line Cinema (sim, o filme foi feito por executivos, e não por cineastas). Mas o diretor não deve ser de tudo inocentado, já que sua inexperiência no comando da câmera resulta em planos deselegantes, mesmo nas cenas mais simples (quando a menina Emma sai de sua cama para pegar a caixa debaixo da cama do irmão, observe como somos forçados a observar o “nada” até que ela volte ao quadro). A fraca habilidade de Shaye só é disfarçada graças aos bons efeitos visuais criados pela competente The Orphanage, que vem crescendo a cada ano.
Se há algo em que “Mimzy” realmente acerta é na escalação dos atores mirins, Chris O’Neil e Rhiannon Leigh Wryn. Por não serem conhecidos do público e tampouco demonstrarem ter experiência de atuação, os dois parecem crianças normais, que não tentam ser adultos em miniatura. Seus personagens se tornam superinteligentes quando têm contato com os objetos misteriosos. Por isso funciona tão bem eles não serem interpretados por uma Dakota Fanning ou um Haley Joel Osment, pois sua transformação fica mais natural - você acredita que aquelas crianças eram comuns antes da caixa aparecer e que elas não sabem lidar direito com seus novos “poderes”.
Há momentos em que é possível ficar encantado com “Mimzy”, como na cena em que Emma resolve mostrar sua “mágica” para a babá, ou quando Noah enxerga as pontes de cristais interligadas ao seu redor. É uma pena que esse espírito não seja mantido na maior parte do filme. Caso contrário, não seria preciso suspirar por mãos mais talentosas não terem se apropriado do material adequadamente.
nota: 6/10 -- veja sem pressa
Mimzy – A Chave do Universo (The Last Mimzy, 2007, EUA), dir.: Robert Shaye - em cartaz nos cinemas
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